A ARTE DIALOGANDO COM A ARTE NA METALINGUAGEM DA SEDUÇÃO

Raquel Marques Carriço Ferreira
Universidade Federal de Sergipe
Dhione Oliveira Santana
Universidade Federal de Sergipe
 
 
1. Introdução

No campo da comunicação, a publicidade, pela sua interdisciplinaridade, são um produto da cultura de massa extremamente complexo para ser estudado, pois fomenta estudos e reflexões de diferentes áreas do saber, que perpasse pelo campo da comunicação social e dialogue com diversas outras ciências. “A publicidade parte do panorama geral da comunicação e está em constante desenvolvimento com fenômenos paralelos, dos quais colhe subsídios”, afirmam Sant’Ana, Júnior & Garcia, 2009: 01.

Diante disso, vários debates são construídos, gerando muitas vezes controvérsias nas conclusões dos pesquisadores; uma importante discussão no mundo acadêmico, nesse sentido, é se a publicidade é ou não arte. As dúvidas surgiram diante do fato daquela utilizar diferentes elementos artísticos – tanto técnicos, como cores, fotografia, tipografia, por exemplo -, quanto abstratos, como referenciais artísticos na formatação de suas mensagens com alto poder persuasivo.

A arte como agente de comunicação faz a reprodução do belo, por meio de suas características materiais (linha, forma, cor, som, etc.) E pelas mesmas características ela além de contar a história do homem, ela provoca um encontro consigo mesmo. Emoção tão especial, particular que garante a subjetividade de quem observa, desdobrando-se em percursos poéticos, sutis, que podemos tê-la como mágica. A magia que lhe é inerente (Fischer 11).

Tanto a arte como a publicidade se utilizam do aspecto formal da reprodução do belo, por meio de características materiais supracitadas para provocar emoção, criando uma ponte mágica entre o receptor e objeto. A criação publicitária traduz o aspecto inovador e estético da arte nos anúncios, entretanto estes não podem ser entendidos como arte, pois, ao contrário dela, na publicidade a liberdade criativa é condicionada à necessidade do anunciante e estruturada por uma bem elaborada estratégica mercadológica.

De fato, se não podemos classificar a publicidade como uma forma de arte, segundo Maranhão (1988), podemos ver arte na publicidade quando estamos nos referindo a sua prática crítica, ou seja, a reflexão crítica da publicidade em seu próprio fazer.

Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São eles que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto (COLI 10-11).

De acordo com o pensamento de Coli (1995), a publicidade não pode ser tida como arte, pois não recebeu um status de um historiador, perito ou conservador de museu de uma forma de arte. Mas, a partir do momento que um anúncio ou referencial publicitário for exposto em um museu, ele se tornará um objeto de arte, e um exemplo clássico dessa dinâmica é Arte Pop, que surge com o objetivo de transformar produtos da cultura de massa em belas-artes.

Em síntese, existe um sincretismo1 entre a arte e a publicidade, enquanto esta se utiliza de elementos artístico-estilísticos de obras de determinado artista e movimento, em um processo racional/técnico que culmina com a elaboração de uma campanha, a arte já se utilizou das referências da publicidade como tema de um dos seus grandes movimentos, insiste-se, como o exemplo exposto no parágrafo anterior, utilizar-se de valores publicitários para tocar a alma humana.
 
2. Metalinguagem: De que Linguagem Estamos Falando?

De acordo com De Castro (2013) o texto publicitário utiliza uma grande variedade de códigos linguísticos e sistemas textuais que estabelecem uma ligação entre si. “O sujeito comunicante, ou o produtor da mensagem dispõe de estratégias que se manifestam através da organização enunciativa e da discursiva no ato de linguagem, ocultando a finalidade comercial da publicidade (De Castro 129).” Praticamente todos os recursos linguísticos são utilizados no texto publicitário de modo que a mensagem venha a chamar a atenção, despertar o interesse e o desejo, levando por fim, à modelação de uma ação.

Dentre estes recursos destaca-se a metalinguagem, uma função da linguagem utilizada para falar de outra linguagem a partir de seu código inerente, ou seja, a língua volta-se para si mesmo para produzir sentido. Na publicidade podemos presenciá-la , por exemplo, quando um comercial veiculado em qualquer mídia utiliza do recurso estratégico de fala da própria publicidade.

A metalinguagem, pode ser entendida, como a função de linguagem utilizada pelos produtores de mensagens para dar ênfase ao discurso, tornando-o objeto do próprio texto. A publicidade utiliza-se desta função da linguagem de forma estratégica para persuadir seu público-alvo de modo a, por exemplo, levá-lo a frequentar um museu, como se observa na campanha a ser analisada sãa as obras do acervo que, dialogando entre si, falam do museu e das vantagens de visitá-los. Por fim, cabe agora analisar de forma mais detalhada os anúncios do Museu de Artes de São Paulo (MASP), cujo objetivo foi despertar tal interesse em seu receptor.
 
3. Análise da Campanha Publicitária Comemorativa dos Sessenta & Quatro Anos do Museu de Arte de São Paulo (MASP)

A campanha a ser analisada foi intitulada “Tiras” com o fim de comemorar os sessenta e quatro anos do Museu de Artes de São Paulo2 em 2011, pela agência de publicidade brasileira DM9DDB. Ela criou, em sua primeira fase, três anúncios para mídia impressa, com personagens de quadros do acervo do próprio MASP que dialogavam, por sua vez, entre si em pequenas histórias em quadrinhos de modo leve e descontraído.

 

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Figura 1. Título: “Tiras”. Disponível em: http://www.dm9ddb.com.br/?p=1756#comment-1630 Acesso em: 05 de fevereiro de 2014

 

O discurso publicitário comumente apresenta um discurso envolvente, sedutor, de modo que toda a mensagem é estrategicamente pensada para levar ao público-alvo todos os objetivos comunicacionais que foram previamente pensados. Sendo assim, o caráter da sedução não está apenas na palavra, mas em toda a composição do anúncio (fotografia, cores, referenciais, tipografia, no caso da mídia impressa).

 

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Figura 2. Título: “Festa”. Disponível em: < http://www.putasacada.com.br/wp-content/uploads/2011/10/masp03.jpg> . Acesso em 04 de fevereiro de 2012.

 

O primeiro anúncio apresenta-se com a figuração de três de homens importantes e uma pintura feminina; as obras artísticas utilizadas foram: O Capitão Andries Van Hoorn, pintado por Frans Hals, em 1638; Retrato de D. João VI, Rei de Portugal, por Domingos A. de Siqueira, entre 1802-1806; Retrato de um Membro da Casa Habsburgo-Lorena, artista não definido, mas se presume que fora um pintor austríaco do final do Século XVIII; e a Banhista Enxugando o Braço Direito (Grande Nu Sentado), obra de Pierre-Auguste Renoir. Elas dialogam entre si de modo a produzir um sentido com forte apelo publicitário que se concluirá mais adiante qual se trata.

Além da metalinguagem, outra importante maneira de se buscar a eficácia da mensagem publicitária é através dos modelos de persuasão. Dentre todos, destaca-se o aristotélico que, conforme apregoa Figueiredo (2005), apresenta quatro etapas: exórdio, narração, provas e peroração. O exórdio chama a atenção do consumidor para o anúncio, e nesta ocasião existe uma apresentação do tema central que é colocado de forma clara, tendo em vista uma exposição temática; na narração ou desenvolvimento são apresentados os fatos de forma persuasiva; às provas os fatos são traduzidos em forma de evidência; e, por fim, a peroração ou conclusão, quando o consumidor torna consciência da mensagem.

No corpus analisado, a fala do “O Capitão Andries van Hoorn” sugere que se comemore os 64 anos do MASP com um festão, eis, estruturalmente, o exórdio. O desenvolvimento ocorre no quadro seguinte, com “D. João VI” que sugere ser festa a fantasia. Já as provas apresentam-se no quadro do Membro da Casa Habsburgo-Lorena que afirma: eles seriam a sensação da festa. Finalmente, a peroração no quadro da “Banhista Enxugando o Braço Direito” que, envergonhada, pergunta: “E quem não tem fantasia”? A conclusão se dá no último quadro : “MASP 64 anos. Dê um presente para a gente e para si mesmo: Venha nos visitar”. Em síntese, o anúncio utiliza do acervo do museu de forma humorística, chamando atenção para a data comemorativa, mas com sutileza e graça no tom do humor, que não denigre o anunciante.

 

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Figura 3. Título: “Damas”. Disponível em: < http://www.putasacada.com.br/wp-content/uploads/2011/10/masp01.jpg> . Acesso em 04 de fevereiro de 2012.

 

O segundo anúncio a ser analisado apresentae duas pinturas femininas, duas obras artísticas : “Retrato de Senhora”, do francês Jean-Gabriel Domergue, pintada no século XX, e “Retrato de Dama com Livro Junto a uma Fonte”, pintado pelo francês Antoine Vestier, em 1785. Ambas as obras possuem como traço comum a apresentação do retrato de damas de seu tempo.

Seguindo o modelo aristotélico, o exórdio do discurso presente no anúncio nos apresenta uma troca de gentilezas: “Querida você tá linda! Olha essa pele esse cabelo.” No desenvolvimento ou narração, os dois quadros seguintes: “Ah, obrigada!” / “Nem parece que tem mais de 200 anos. Vai brilhar no aniversário do MASP”. As provas aparecem no discurso final da pintura: “Se quiser eu posso lhe indicar o meu restaurador. Ele é incrível”. Por último, a peroração se repete “MASP 64 anos. Dê um presente para a gente e para si mesmo: Venha nos visitar.”

Destarte , a técnica de dar vida às coisas inanimadas, a surpresa do diálogo das duas obras e o uso do humor formam um diálogo perfeito com a repetição das obras que traz a ideia de movimento. Por fim, percebe-se que, apesar da distância cronológica das produções visuais (“Retrato de Senhora”, século XX, e “Retrato de Dama com Livro Junto a uma Fonte”, 1785), não houve prejuízo na construção da mensagem, pelo contrário, conseguiu-se um tom de “glamour” à peça.

 

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Figura 4. Título: “Remando”. Disponível em: < http://www.putasacada.com.br/wp-content/uploads/2011/10/masp02.jpg> . Acesso em 04 de fevereiro de 2012.

 

O último anúncio aqui estudado utiliza-se do referencial de uma única obra denominada “A Canoa Sobre o Epte”, do artista francês Claude Monet, pintada em 1890. O exórdio presente no discurso chama atenção para o fato do MASP estar completando 64 anos (“O MASP está completando 64 anos.”); a narração vem logo na sequência, em que se lê sobre a importância do museu e do fato de que as pessoas deveriam visitá-lo (“É o museu mais importante da América Latina. / Todo mundo deveria comemorar fazendo uma visita.”); as provas trazem o humor novamente: “Mas, nesta velocidade, a gente só vai chegar à festa de 70 anos”. / “Para quem não tá remando você é bem engraçadinha”; por fim, a peroração se repete: “MASP 64 anos. Dê um presente para a gente e para si mesmo: Venha nos visitar.”

Em suma, a estrutura do discurso presente nas peças se repete – inicialmente o tema é colocado, posteriormente existe um desenvolvimento que conduz o receptor para as evidências do assunto, e nesta fase de “provas” uma reviravolta no discurso ocorre com o uso da sátira, e derradeiramente a peroração, cujo objetivo da campanha, atrair a população para visitar o museu, é apresentado.
 
4. Conclusões Gerais

A publicidade, como linguagem da sedução3, pode se valer de recursos estratégicos em s suas mensagens. Na campanha analisada a linguagem própria (Ver GUIMARÃES, 2002) dos quadrinhos fora empregada para potencializar os efeitos da comunicação, além da posição dos quadros e da transcrição do discurso de modo a dar uma ideia de movimento que dialogasse de forma bem-humorada com os receptores. Ou seja, para o objetivo comunicacional da campanha foi empregado o diálogo entre os quadros do acervo do MASP para chamar o público da campanha para o museu.

O discurso metalinguístico presente na campanha é potencializado pelo caráter cômico das peças. Segundo Guimarães (2002), quando se utiliza na metalinguagem o humor há a quebra das regras e convenções que leva o objeto a ser lido sempre como um desafio ao espectador, justamente pela presença do inusitado, tornando-o uma fonte de entretimento ao consumidor. Assim, percebe-se que a campanha se vale de possibilidades criativas da mídia impressa para trazer um discurso metalinguístico pautado no humor e na linguagem dos quadrinhos para evidenciar a mensagem e seus objetivos comunicacionais.

Infere-se , seguindo o pensamento de Figueiredo (2005), que a criatividade é o grande diferencial nas mensagens publicitárias; as ideias criativas, quando pertinente aos produtos4 anunciados, conseguem levar à mente do consumidor um argumento com alto poder persuasivo, capaz de direcioná-los até aos objetivos comunicacionais do anunciante. Neste sentido, apreende-se que a campanha do MASP abordada utilizou de forma criativa um formato semelhante aos quadrinhos, e de forma estratégica, para persuadir o consumidor com uma mensagem bem-humorada, com um alto poder de impacto.
 
 
Notas

1 O sincretismo entre publicidade e arte se apresentam na difusão publicitária de obras ou eventos artísticos. Diferente das campanhas que fazem circular a produção mais afinada com as tendências em moda no mercado do consumo de bens culturais de massa, um episódio das artes plásticas nos traz uma percepção de sutileza e refinamento em sua relação com a publicidade.

2 O Museu de Artes de São (MASP), foi fundado em 1947, pelo jornalista empresário Assis Chateaubriand e o italiano crítico de arte Pietro Maria Bardi, e funcionou inicialmente no prédio de Chateaubriand formado por 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, editora e a revista O Cruzeiro. O prédio onde hoje funciona o museu está localizado na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, projetado por Lina Bo Bardi, sendo que da sua projeção a construção passaram-se doze anos para finalizar e inaugurar em 1968.

3 Afirmação baseada em Campos 1987, Figueiredo 2005, entre outros pesquisadores.

4 Produto e serviços aqui possuem o mesmo significado.
 
 
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