HEINRICH BÖLL: SÁTIRA E FÉ

Paulo Astor Soethe*
Universidade Federal do Paraná
 
 
Depois de quase vinte anos ausente da cena editorial brasileira, a obra de Heinrich Böll (1917-1985) voltou a ganhar destaque no país com a tradução e publicação de seus romances O anjo silencioso (Böll, 2004) e Pontos de vista de um palhaço (Böll, 2008). Agraciado com o Nobel de literatura em 1972, Böll foi desde o início dos anos 1950 um dos principais escritores de língua alemã do pós-guerra.1

 

Recepção da obra de Heinrich Böll no Brasil: dois tempos

A difusão da obra de Heinrich Böll é notável. O escritor de Colônia teve livros traduzidos em ao menos 34 idiomas, com uma tiragem mundial de mais de 20 milhões de exemplares.

O Brasil não lhe fez exceção, apesar de abrigar, até o início dos anos 1990, uma cena editorial muito modesta. O país viu lançados por editoras nacionais, em 1973, três romances de sua autoria. Mesmo antes, já em 1968, o nome de Böll figurava em uma antologia brasileira de contos alemães, com prefácio seu, e em 1970 surgia o primeiro volume inteiramente dedicado a contos de sua autoria. Nos anos 1970 houve ainda a publicação de outras duas narrativas longas, e entre 1985 e 1987, após sua morte, três outros romances estiveram à disposição do leitor brasileiro. Uma bibliografia ilustrativa da recepção da obra de Böll no Brasil integra a bibliografia deste artigo, em seção específica.

Em um capítulo da obra Böll: Untersuchungen zum Werk [Böll: investigações sobre a obra], publicado na Alemanha em 1975 e acessível em versão brasileira desde 1990, o germanista Erwin Theodor Rosenthal (Theodor, 1990) teceu um relato breve e preciso sobre a recepção de Böll no Brasil até 1973. Em seu texto, comenta inclusive a repercussão de traduções portuguesas de Böll no Brasil nas décadas de 1950 e 1960.

Quanto ao romance Fim de uma viagem, Theodor (1990) comenta:

Fim de uma viagem é talvez a única obra de Böll recusada por um editor, mesmo após já ter sido traduzida, sob a alegação de que seu ambiente seria por demais “estritamente alemão”, de que ele não seria entendido aqui, e muito menos a problemática do idílio de cidade pequena, “que confere ao livro – por si só privado de qualquer tensão – toda sua intensidade” (150).

Ora, a fase de certa visibilidade de Böll na cena brasileira que coincide com seu período de grande notoriedade internacional – cujos principais momentos dão-se após a conquista do prêmio Nobel (1972) e depois de seu falecimento (1985) – encerra-se justamente com Fim de uma viagem, em 1987.

O romance utiliza recurso eficiente para lançar sobre o conjunto da sociedade alemã o olhar meticuloso e revelador do satirista: apresenta como funcionários, assistência, testemunhas, advogados, réus, juiz e jornalistas dezenas de personagens envolvidas no julgamento de um caso inusitado. Todos eles são acompanhados por um narrador em terceira pessoa, o que torna possível que se construa passo a passo um mosaico representativo da Alemanha e dos meandros de sua burocracia e poder, em meados dos anos 1960.

O caso de que trata o romance envolve como réus confessos os marceneiros Gruhl, pai e filho, acusados de incendiar um jipe do exército alemão. O rapaz, em serviço militar, cumpria a missão de rodar sem destino com o carro, apenas para arredondar seu tacógrafo e “aprontá-lo” assim – por exigências burocráticas – para uma próxima revisão mecânica de praxe. Entediado com a vida militar, com desperdícios e absurdos como esse, ele resolve por conta própria ir à casa de seu pai, ajudá-lo no trabalho; lá os dois resolvem cometer o “crime” de que trata o processo. A situação do marceneiro Gruhl pai é agravada pelo fato de ele ter dívidas imensas com o fisco, causadas por armadilhas tributárias das quais não teve habilidade para escapar, como se costumava fazer.

O advogado de defesa, sob argumento que vai ao encontro do que pensa o jovem Gruhl, procura caracterizar o incêndio do carro como atividade artística. O argumento de que a arte pressupõe liberdade e de que portanto a “escolha do material” teria sido legítima é defendida no romance pelo depoimento do extravagante especialista em artes plásticas, Prof. Büren. O advogado, com isso, pretende diminuir a gravidade do ato cometido por seus clientes. Entra em questão aí, de forma ambivalente, o papel da arte na sociedade. A intenção dos marceneiros não é apenas a de criar um objeto artístico de valor imanente (ambos tem razões para protestar contra o exército e o Estado alemães), mas o argumento serve para assegurar-lhes vantagens no momento do confronto com o poder constituído.

Autoridades militares e civis procuram evitar que o caso seja divulgado mais amplamente e mobilizam para tanto sua rede de influências junto à imprensa, ao poder judiciário, à Igreja e à população em geral. Isso se dá de forma tão discreta quanto eficiente; ao fim do julgamento os réus são condenados a uma pena leve, mas não há publicidade para o caso e, aparentemente, a reputação da “Bundeswehr” (as forças armadas alemãs) permanece ilesa. Era um tempo, esses meados dos anos 1960, em que a Alemanha voltava a ter possibilidades de constituir um exército e ampliá-lo. O pacifista Böll, vinte anos antes ainda soldado sob o tacão nazista, não podia omitir-se de intervir no debate sobre a questão. E no romance os esforços das autoridades não impedem que os absurdos revelados pelo processo reforcem posições contrárias de indivíduos isolados em relação ao exército, ou mesmo alertem outros cidadãos para a questão.

Não ocorre entre essas personagens descontentes uma organização institucional, mas o texto aponta para o que Bernd Balzer ([115]) chama de “unidade dos cavaleiros solitários” – ou seja, a agregação de indivíduos isolados que não se integram plenamente à sociedade organizada mas passam a atuar em conjunto por mudanças concretas. Para a visão de mundo de Böll, a oposição entre a sociedade e o humano, senão desejável, é ao menos uma forma de sobrevivência e resistência da humanidade, em estruturas complexas que ameaçam prescindir da pessoa como fundamento de sua organização e finalidade.

Em Fim de uma viagem, a agregação e organização espontâneas de figuras desajustadas na sociedade constituída ocasionam o abrandamento da pena dos acusados, possibilitam a manutenção da atividade artística do jovem Gruhl e sustentam a solidariedade em relação à vida de ambos, em seu trabalho, sustento e vida familiar.

Sobre o livro em sua tradução brasileira, foram publicadas de dezembro de 1987 (ano da edição) a junho de 1988 ao menos quatro resenhas em diferentes veículos de repercussão nacional (Jornal do BrasilLeiaO Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo). A meu ver, era correta a afirmação – talvez irônica – do professor Rosenthal, que comenta (logo em seguida ao trecho citado acima, sobre a recusa da tradução): “As demais obras de Böll, porém, são recebidas no Brasil como abordagens críticas contemporâneas, que não se referem apenas à Alemanha, mas a todo o mundo ocidental (e talvez não somente a este!).”

O adiamento da tradução de Fim de uma viagem no Brasil, uma das obras mais sutis e literariamente bem sucedidas de Böll, correspondeu igualmente ao amadurecimento da cena editorial, do público leitor e do contexto sociopolítico brasileiro. O que antes poderia haver soado demasiadamente alemão parecia agora, em 1987, se haver diluído no decorrer de pouco mais de uma década, justamente naqueles anos que se passaram do início da abertura política dentro do regime até o fim da ditadura militar. Restavam, em 1987, as muitas possibilidades de associação entre a ação descrita no romance e a crítica ao contexto político opressor de que o país se despedia, no ritmo em que avançavam as medidas de redemocratização. E restava, sobretudo, o interesse pela maestria narrativa de Böll, sua verve satírica e lúdica, na qual rimam amargura e travessura, segundo formulação de uma correspondente do jornal O Globo, em 1977, ao escrever sobre o prosador alemão.

É essa mesma verve satírica e lúdica, amargurada e travessa, que marca igualmente a obra de Böll mais recentemente lançada no Brasil, Pontos de vista de um palhaço. O romance, que alcançou igual visibilidade na mídia impressa após seu lançamento em 2008, com resenhas e notas nos principais veículos de circulação nacional, é narrado em primeira pessoa pelo protagonista, o palhaço Hans Schnier. Ele está em Bonn à procura de informações sobre Marie, a ex-companheira a quem ama e com quem vivia “em concubinato” até algumas semanas antes do tempo da narração. Pelo fato de ser católica e estar sob constante pressão de um grupo de amigos influentes, também católicos, Marie havia sido convencida a abandonar Schnier, e estava agora casada com um rapaz de situação socioeconômica privilegiada e muito bem visto pela igreja católica local.

Desde a partida da companheira, o palhaço havia perdido o contato com ela e entrado em decadência pessoal e profissional. Vai a Bonn para tentar reconquistá-la – pois sequer sabe que ela já está casada com outro – e também para conseguir dinheiro. Por telefone, faz contato com familiares, amigos e conhecidos, e as conversas que desenvolve com eles, ao lado de suas lem­branças e impressões, constroem paulatinamente o enredo do romance.

Vários dos telefonemas têm como interlocutores figuras eclesiásti­cas que, como tais, constituem objetos de crítica satírica. É o caso, no capítulo 8 do romance, de um clérigo que atende o chamado quando Schnier telefona ao seminário onde vive seu irmão Leo (protestante convertido, ora dedicado ao estudo de teologia, para tornar-se padre). O diálogo entre o palhaço e o clérigo tem um forte apelo cômico, e a figura confusa e anacrônica do segundo faz alusões claras a ati­tudes da igreja católica condenadas por Böll em diversas manifestações sobre o assunto (cf. Kuschel, 1994).

Schnier supõe tratar-se de um “velho professor que fuma cachimbo”. Em um primeiro momento ele não enten­de o nome de Schnier, e para tentar ajudá-lo o palhaço diz uma série de palavras cujas ini­ciais correspondem às letras de seu nome. O clérigo confunde-se ainda mais e pensa que seu interlocutor quer falar so­bre algo relacionado com escola (pois ouve a palavra “Schule”, usada por Schnier para referir-se à inicial de seu nome). A questão só começa a se resolver quando ocorre ao palhaço dizer algo em latim:

[R]euni apressadamente algumas palavras em latim e disse humilde:
– Sum frater leonis.
Ao dizer aquilo pensei estar sendo desleal, pensei nas pessoas que tentariam falar com alguém ali, mas não sabiam uma palavra em latim.

Para meu espanto, ele riu furtivamente e disse:
– Frater tuus est in refectorio, está comendo” – ele disse um pouco mais alto. – Os estudantes estão comendo, e durante a refeição não se pode interromper. (Böll, 2008, 85)

A observação de Schnier sobre a exclusão das pessoas que não falam latim generaliza a referência à dificuldade de comunicação com o clérigo – e por analogia com o clero em geral –, o que prejudicaria sobretudo as pes­soas mais humildes e menos instruídas. Esse distanciamento entre clero e pessoas comuns é corroborado pelas falas seguintes do diálogo, quando Schnier tenta explicar o assunto pelo qual tinha ligado a seu irmão. O clérigo, diante da explicação de Schnier, é incapaz de entender que algo o in­comodasse espiritualmente, e que isso fosse urgente. Em meio a uma bre­ve discussão sobre a importância da alma e da individualidade, refuta­das pelo clérigo, Schnier consegue, afinal, que o recado seja anotado: “– Alma – disse ele [o clérigo] com frieza – irmão… perigo… / Ele bem poderia ter dito: lama, latão, balde de ordenha.” (86). A figura eclesiástica é coloca­da diante de elementos centrais para a tradição cristã – no caso, as palavras “irmão” e “al­ma” – e reage diante deles com frieza e distanciamento, desta­cados pelo narrador pelas escolhas lexicais.

A insensibilidade do clérigo diante dos temas da tradição está asso­ciada à sua incapacidade de atentar para a concretude da pessoa e dos pro­blemas de Schnier. A cegueira para a dimensão pessoal, para a problemáti­ca vivida por um indivíduo específico, é sinal da desvinculação entre a tradição e a prática da figura eclesiástica, de quem se esperaria ati­tude oposta.

Neste episódio, a agressão satírica é exercida de modo claro pela voz de Schnier, à medida que se confirma e acentua a incomunicabilidade do clérigo. A irreverência e ironia da personagem podem ser entendidas e partilhadas pelo leitor, ao contrário do que ocorre com o velho padre no seminário; é portanto o leitor virtual que partilha com Schnier a consciência acerca do comportamento ridículo do clé­ri­go. A incapa­ci­dade deste último de se voltar à pessoa ganha destaque ao contrapor-se à identificação pes­soal do leitor com o autor satírico. Essa dinâmica discursiva é evidenciada, e destaca-se assim a narração ficcional como medium da comunicação literária de amplo espectro social.

“A consciência da nação”, epíteto que se atribuiu a Böll em razão das posturas que assumia e julgamentos que externava publicamente, interessou-se desde cedo por questões poéticas. Mesmo em meio à guerra e ao nazismo, impedido de ter acesso pleno ao universo intelectual moderno e de expressar-se com liberdade, já tratava de refletir esteticamente para moldar o estilo e sensibilidade que fariam dele um grande autor.

Uma das questões em sua poética, como sugere o comentário ao exemplo acima de Pontos de vista de um palhaço, é a da possibilidade de conciliação entre a atividade literária livre, de um lado, e a atenção à prática e senso religiosos, de outro.

A segunda parte deste artigo, em um recorte específico da questão, tratará das manifestações de Heinrich Böll em relação à possibilidade de conciliação entre dicção satírica e senso religioso cristão. É curioso que essa pergunta, que ocupou o escritor já em 1941, anos antes do início de sua atividade literária, ainda ecoe mais de vinte anos mais tarde em um de seus principais romances, justamente os Pontos de vista de um palhaço, originalmente lançado em 1963, mas merecedor de interesse e visibilidade 45 anos depois, em contexto completamente diverso daquele em que surgira. Se essa obra constitui, na cena brasileira, a publicação mais recente do autor, isso talvez aponte para a conveniência e relevância, em nosso contexto, do debate sobre as relações entre senso religioso e cultura secular, posicionamento ético e atividade artística autônoma.

 

O satirista e o cristão

Em carta a sua futura esposa, Annemarie Cech, de 22 de abril de 1941, na condição de jovem soldado e sendo preparado para ir ao front, Böll emitiu suas primeiras impressões sobre a sátira e sobre as intenções e possibilidades dessa forma literária2. Suas idéias desenvolvem-se a partir de alguns comentários sobre o poeta austríaco Georg Trakl, com cuja poesia manifestava intenção de se ocupar.

No texto, Böll faz referência ao importante ensaísta, teólogo e escritor católico Theodor Haecker3, que, segundo o crítico Edward Timms, figura entre os “poucos autores dedicados à questão das relações entre sátira e cristianismo na história da recepção literária européia.” (Timms 85). Haecker, antes de se converter ao cristianismo, em 1921, havia também ele se dedicado a escrever textos satíricos, mas a partir de então optou por abandonar o cultivo dessa forma, e passou a defender que sátira e cristianismo são inconciliáveis.

A carta de Böll destaca que Haecker, ao discorrer sobre os poemas de Trakl, entende-os como marcados por uma “ausência trágica de humor”. Fica claro, ainda, que a palavra “humor” utilizada por Haecker incomoda o missivista, que desenvolve sobre isso o seguinte comentário:

… eu estive pensando: talvez uma pessoa seja tanto mais triste e melancólica quanto maior nela for a presença do paraíso, em sonhos e reminiscências; Trakl foi muito marcado por essa tristeza e dedicado a ela (…); e eu penso que seria quase leviano, nesse caso, até mesmo pensar em humor (talvez em mim o humor não esteja suficientemente presente para que eu possa perceber qualquer ausência de humor em Georg Trakl). Ao humor dizem respeito uma certa rudeza e uma certa saúde, uma disposição hípica para relinchar, que é tão deste mundo… Trakl era excessivamente triste e excessivamente próximo ao infortúnio do gênero humano para despertar ainda o “humor”… O que quer dizer “humor”, quando se pensa na cruz? (apud Hoffmann 90-91)

No comentário do jovem Böll, já se apresentam elementos que integrarão suas preocupações literárias e existenciais por toda a vida. Ao tom melancólico em relação ao “infortúnio do gênero humano” alia-se a sensibilidade quanto ao “paraíso”, presente em “sonhos e reminiscências” e capaz, portanto, de abranger um sentido mais amplo que o meramente religioso e doutrinal. Nesse sentido, ainda que ingênuas e circunscritas ao âmbito de uma religiosidade dualista (“mundo” versus“paraíso”), as escolhas lexicais antecipam a oposição entre realidade e utopia, entre a desumanização da sociedade estabelecida (que Böll atacará de forma veemente anos mais tarde) e a esperança da possível construção de uma “terra acolhedora” (Heimat).

O papel que tal perspectiva desempenha nas concepções poéticas de Böll pode ser resumido da seguinte maneira: o literato deve orientar-se pela incumbência de dar forma à “terra acolhedora”, pois dispõe de uma sensibilidade especial quanto às disparidades entre a realidade e o desejo. Nesse sentido é que a carta de 1941 antecipa restrições ao humor: ele não se presta à expressão das disparidades entre realidade e paraíso, pois está impregnado de elementos “tão deste mundo”, de “rudeza” e “saúde”4, que serve antes à manifestação de sentimentos superficiais e frívolos.

No entanto o próprio Böll não deixa de se referir aos humoristas como dotados de uma “disposição hípica para relinchar”. Ele mesmo, pela utilização de formulação tão pouco séria em meio à argumentação mais cáustica contra o humor, parece desvendar inadvertidamente uma veia cômica irreprimível. A formulação jocosa não merece qualquer comentário seu, mas é possível ao leitor avaliá-la sob os parâmetros que a própria carta apresenta: tudo indica tratar-se de um rompante satírico, sobre cujo valor Böll passa a falar logo após sua referência desrespeitosa aos humoristas.

… a sátira, isso é uma coisa diferente; eu acho que sua existência se justifica mais que a do humor; o humor para mim mistura-se demais com as coisas … a sátira é mesmo absoluta como o amor, e somente alguém cujo coração está repleto de um lirismo melancólico e de uma tristeza infinita é que pode escrever uma sátira … Isto seria o meu desejo mais ardente: poder, em determinado momento, escrever sátiras perfeitas e claras como o dia. (idem 91)

O elogio da sátira como forma densa do ponto de vista existencial, “absoluta como o amor” e legítima mesmo em face da tragicidade imposta pela condição humana, bem justificaria a aproximação dos humoristas a cavalos relinchantes. Embora cômica, por força da eficiência do ataque satírico, a metáfora presta-se a argumentar em favor da densidade da existência humana. Por isso sua utilização não compromete a autoridade do missivista, que está além da futilidade do humor frívolo.

Distinção semelhante entre humor e sátira reaparece vinte e três anos mais tarde, nas “Preleções de Frankfurt”. Böll propõe aí a identificação de duas diferentes realizações do humor; uma identifica-se com a realização satírica, e outra, opõe-se a ela. De um lado, está a tradição do humor que almeja a “destruição do indivíduo” e portanto também do “humano”, no sentido que a palavra assume em sua poética. (ESR2, 88)5 Trata-se do humor “da malícia e da satisfação pelo fracasso alheio”; não do humor que ridiculariza o sublime, mas sim do “que não confere ao ser humano qualquer perspectiva de sublimidade” (id., p. 88-89). Como não há nas “Preleções de Frankfurt” um rigor terminológico para a distinção estabelecida, atribuiremos a esse tipo de humor a denominação humor frívolo.

A este opõe-se o “humor de quem está perplexo, que é típico da posição do satirista.” (ESR2, 89). Esse tipo de humor – que chamaremos portanto de humor do satirista – aproxima-se à caracterização da sátira na carta de 1941: inconformado, ele deve pressupor “um mínimo de otimismo e ao mesmo tempo a tristeza por algo perdido” (idem).

Como nos anos de juventude, também as reflexões maduras de Böll revelam sua expectativa de que a literatura manifeste a um só tempo a consciência da realidade e o anúncio da utopia. Tal realização do humor corresponde à sua “única possibilidade humana”, qual seja: “definir em sua sublimidade aquilo que foi declarado pela sociedade organizada como resto (‘Abfall’) e considerado por ela como próprio para se jogar fora (‘abfällig’).” (idem) O resgate da assim considerada “escória social” nada mais é que o anseio último da poética do humano. O humor do satirista, portanto, apresenta-se como instrumento eficaz para a satisfação de tal anseio. Como figura de referência para caracterizar esse tipo de humor, Böll toma o escritor Jean Paul, cuja definição de humor menciona nas “Preleções de Frankfurt”: “O humor, como o sublime ao inverso, não aniquila o indivíduo, mas sim o que é finito, pelo contraste com a idéia. Para o humor não há uma tolice individual, não há tolos, mas sim apenas a tolice e um mundo tolo.” (Jean Paul, apud ESR2,  90).

Na definição, destaca-se por um lado a postura positiva de Jean Paul quanto à não degradação do indivíduo, e, por outro, seu ataque ao vício que corrompe. Böll associa tal idéia a uma citação do romance Rise high the roof beam carpenters, de J. D. Salinger, em que se faz referência à recomendação de Cristo de que não se chame a ninguém de louco. O romance explica a recomendação pelo simples fato de que não existiriam loucos: os homens seriam todos iguais, afinal. A identificação entre a recomendação cristã e a definição de humor de Jean Paul é explícita: “‘Não se deve chamar ninguém de louco’: este é o espírito de Jean Paul.” (ESR2, 88)

A referência bíblica aí proposta remete a um trecho do Evangelho de Mateus (Mt 5, 21-26), conselhos de Jesus sobre a reconciliação entre os homens. São dados na Escritura alguns exemplos de discórdia e desacato entre as pessoas, e ponderadas as consequências e punições que podem vir a acarretar. Entre as faltas que o texto menciona, a mais grave constitui-se em insultar o irmão chamando-o de “louco”. O insulto é tão grave que não merece punições humanas, mas sim “a geena de fogo”, ou seja, o inferno. A extrema gravidade da ofensa explica-se pelo significado da palavra escolhida pelo evangelista: “Ao sentido primitivo do termo grego ‘insensato’, o uso judaico juntava um matiz muito mais grave de impiedade religiosa.”6 O insulto, portanto, colocaria em dúvida a fé daquele a quem se desacata; e seria inaceitável, talvez porque a discórdia e a desconfiança geradas nessa instância destruiriam a possibilidade de diálogo e de integração entre as pessoas. O texto recomenda respeito profundo pela fé de cada um, e condena categoricamente qualquer julgamento leviano quanto a ela, dado o grau de importância que lhe é atribuído no contexto bíblico.

Assim, a defesa do humor do satirista, tanto na carta de 1941 quanto nas “Preleções de Frankfurt”, toma por base referências cristãs.

Na carta, a afinidade entre sátira e densidade existencial dá-se sob o sinal da melancolia, que se funde no entanto à irreverência e comicidade do procedimento satírico. Essa disparidade de sentimentos é comparada à imagem do cristão diante da cruz – e não de forma gratuita: a cruz, no imaginário cristão e sobretudo católico, evoca a um só tempo a alegria pela redenção e a lembrança amarga do sofrimento do redentor.

Nas “Preleções de Frankfurt”, do mesmo modo, a sátira é a forma adequada para se confrontar “um mundo que ainda se declara cristão com as exigências que ele de fato coloca”. (ESR2, 90). A “cristandade” que o mundo ocidental se arroga, muitas vezes em detrimento do mundo oriental, é desmascarada por Böll através do exemplo da relação distinta de ambos os mundos com a sexualidade. Böll vê na promiscuidade crescente no Ocidente um sinal de sua hipocrisia.

Vejo como sinal de uma inversão e de uma perversão incuráveis não o fato de que, em linhas gerais, exista castidade no Oriente e promiscuidade no Ocidente; mas sim o fato de que este mundo ocidental ainda se declare cristão. Analisado com frieza, (…) alguém só pode mesmo é considerar esse fato como cômico e torná-lo objeto não de reflexões bem-humoradas, mas sim de reflexões satíricas. Naturalmente, isso coloca todo autor que procura expressão, estilo e forma para tratar de religião e de amor em uma situação invertida, e transforma [na representação literária] todo pai de família em um aventureiro, como previu Charles Péguy. (ESR2, 86)

Essas referências ao cristianismo apontam para um componente importante embora discreto nas reflexões de Böll e nos colocam diante da questão central deste artigo. Interessa-nos aqui identificar a ligação entre a opção de Böll pela sátira, em muitos de seus textos, e sua intenção de refletir sobre o cristianismo, a igreja católica e o papel de ambos no mundo contemporâneo7, sobretudo a partir da realidade alemã ocidental.

A busca de legitimidade para os juízos do satirista e sua associação a referências cristãs estão presentes já na carta de 1941 e estendem-se até os ensaios da maturidade. Manifesta-se aí a filiação de Böll a uma antiga polêmica no seio da discussão literária entre os cristãos: está longe de ser pacífica a aceitação de uma compatibilidade radical entre sátira e ethos cristão. Nesse sentido, são exemplares as reflexões do já mencionado Theodor Haecker, que constituía uma das referências de Böll em relação ao tema. As afinidades entre ele e Böll na fase inicial da carreira mereceriam por si só estudos mais aprofundados. Limitamo-nos aqui a destacar alguns dos aspectos que os aproximam.

A questão central para Haecker é a possibilidade de conciliação entre a dicção satírica e o amor cristão baseado na fé.8 É esse o tema, por exemplo, de seuDiálogo sobre a sátira, de 1930. (Haecker, 1958) Nele, são contrapostas as opiniões de um “Satirista” e as de um “Amigo” sobre o assunto. Em suma, o Amigo defende a tese de que sátira e fé cristã são incompatíveis: no satirista poderia até mesmo estar presente o amor em relação a seus semelhantes, mas lhe faltariam a serenidade e a confiança na redenção, elementos que só a fé poderia garantir. A impaciência do satirista e sua obsessão por transformar o mundo trairiam nele “a ausência de fé na vitória do Bem” (p. 370) e com o passar do tempo acabariam degenerando o eventual amor que o pudesse motivar. Ainda que admita a sátira como “dom de Deus”, pois assim ocorreria com todas as capacidades humanas, o Amigo não vê tal “dom” como apropriado ao bom desempenho de quem quer estar a serviço da fé. O próprio ser da sátira e sua utilização perniciosa acabariam por confundir-se: “Admito que não me ocorre nada de coerente quando penso em um leão que se alimenta de grama”, diz o Amigo em uma tentativa de ilustrar o quanto são inconciliáveis para ele a atitude mansa do cristão e a atividade agressiva do satirista. (365)

Essa postura do Amigo, entendida pela crítica como correspondente à do próprio Haecker (v. Timms 85-86), em nada se aproxima às já mencionadas idéias de Böll. São evidentes, contudo, os pontos comuns entre as idéias do escritor renano e alguns dos argumentos apresentados pelo oponente do Amigo no diálogo – ou seja, pelo Satirista. Seria mesmo de ponderar se Haecker era de fato tão parcial em sua apreciação negativa da sátira. Ele opta pela forma do diálogo, possibilitando a coexistência de posturas diferenciadas. As considerações do Satirista não são menos consistentes que as de seu opositor e, em Böll, encontraram elas sim um adepto.

Veja-se, por exemplo, a restrição feita pelo Amigo à prática do autor satírico:

O grande satirista está, sem qualquer esperança, entregue a realidades que só ele mesmo vê e que ocupam sua alma como se fossem animais selvagens. Ele, e ninguém mais do que ele, é aquele ser humano que sofre pela falta de um lar [“der Heimweh hat” – grifo nosso]. Ele é sempre platônico, um homem da reminiscência; um dia, antes mesmo da eternidade, ele esteve em algum outro lugar onde tudo era bonito; logo, ele conhece seu próprio quinhão natal [“seine Heimat” – grifo nosso] muito mais através do sentimento da falta de um lar [“vomHeimweh”]. Ele é um amante da reminiscência. (Haecker 374)

Censura-se no satirista justamente sua predisposição utópica diante do mundo: ele anseia sempre por um lugar distinto, que intui como reminiscência de algo já vivido em outro tempo e outro espaço. No caso de Böll, a predisposição à utopia é uma constante em sua obra e concepções poéticas. Na carta mencionada acima, por exemplo, tal característica já se fazia anunciar pela referência à “presença do paraíso” na consciência do escritor. Também as palavras grifadas em itálico na citação – “Heimat” e “Heimweh” – permitem uma aproximação entre o “Diálogo” de Haecker e as idéias de Böll, de maneira especial nas “Preleções de Frankfurt”. Os vocábulos “Heimat” e “Heimweh” desempenham aí um papel de grande importância na constituição da “poética do humano”. Segundo Böll, a construção literária da “Heimat” (que optamos por traduzir aqui como “terra acolhedora”) deveria resultar do compromisso do escritor com a representação das reservas de humanidade ainda presentes no mundo, à revelia da burocratização e da esterilização das relações humanas. Dirigindo-se aos jovens universitários que ouviam suas preleções, Böll conclama-os a construir um Estado alemão do qual fosse possível sentir falta assim como se sente falta de um lar: um Estado pelo qual se pudesse sentir “Heimweh”. (ESR2,  75).

A coincidência na seleção lexical (“Heimat” e “Heimweh”), tanto no “Diálogo sobre a sátira” como nas “Preleções de Frankfurt”, contribui para se confirmar a afinidade entre os argumentos de Haecker e os de Böll – mesmo que utilizados a partir de pontos de vista distintos e com diferentes finalidades. Ao passo que Haecker pretendia tecer restrições à sátira, Böll tratava de conferir legitimidade à sua produção poética, e, por conseguinte, também à sua produção satírica. Não podemos afirmar em definitivo que a origem da argumentação de Böll esteja em uma possível resposta aos argumentos de Haecker, mas não há por que nos eximirmos de apontar essa grande afinidade. Da mesma forma que as opiniões do Amigo foram identificadas com as de Haecker, parece-nos pertinente destacar a semelhança entre a postura do Satirista e a do próprio Heinrich Böll.

Essa aproximação ganha mais consistência se atentarmos para os argumentos apresentados pelo Satirista em sua intervenção seguinte. Quanto à afirmação feita pelo Amigo de que o autor satírico disporia do amor mas não da fé, o Satirista reage lembrando que também há sátiras onde o amor não está presente:

Você admite no satirista o amor, mas será que não sabe que também existe a sátira sem amor, a sátira do protetor e do degustador refinado, a sátira do cético e do “arbiter elegantiarum”, que jamais sentiu o ferro incandescente da “indignatio” sobre o próprio coração? Existe sátira como objeto de arte e como sobremesa. E é esse um dos fatos mais satíricos: que o satirista sem amor encontre mais amor junto ao mundo do que o satirista com amor. Já pensou sobre isso? Aquele primeiro ainda ousa falar como satirista às suas próprias vítimas, só que de acordo com a doce melodia que os ouvidos deles querem ouvir e motivado pela doçura com que ele mesmo se deixou cooptar: “somos todos humanos, afinal…” O segundo, por sua vez, obriga-os a engolir o fel da verdade: ainda não somos humanos, ou já não o somos mais… Em compensação talvez sejamos cristãos? Pois sim! Como se para isso não fosse preciso antes sermos humanos! (Haecker  374-375)

Diante das distinções entre sátiras com e sem amor e entre satiristas autênticos e satiristas coniventes com os vícios do mundo, o amor assume o significado de força de resistência. É ele que motiva o verdadeiro autor satírico ao ataque e à franqueza na defesa de seus argumentos. A postura marcada pelo amor impele o satirista à maior agressividade; seu compromisso com os homens leva-o a apontar com veemência a ausência de humanidade entre eles. A formulação “ainda não somos humanos, ou já não o somos mais…” serve ainda ao ataque da hipocrisia pseudo-cristã, que consiste na desvinculação entre a aura de cristandade e a vivência concreta de atitudes humanas. O Satirista ironiza: “Como se para isso [sermos cristãos] não fosse preciso antes sermos humanos!”

Nesse ponto aproximamo-nos novamente das idéias de Böll. Sua poética do humano, como vimos, desenvolve-se a partir da constatação da ausência de humanidade na sociedade estabelecida. Em favor do resgate do “humano” não faltam também em sua obra imprecações severas contra os representantes do poder e do saber estabelecidos. Além disso, a formulação do Satirista em Haecker encontra em Böll correspondentes muito próximos. Retomemos, por exemplo, a seguinte citação das “Preleções de Frankfurt”, em que se abordam amor, humanidade e cristianismo:

“(…) provavelmente a hominização do homem ainda não tenha começado (…), mas provavelmente nem o cristianismo começou ainda; seguramente não: as igrejas ainda não entenderam o que seja o amor, mesmo tendo à disposição textos o suficiente que as pudessem pôr  em  confronto com ele (…).” (ESR2,  85)

Também para Böll, a incompreensão do que seja o amor impede as igrejas de praticar um cristianismo autêntico. E pode-se deduzir, pelo texto, que Böll vê no componente de humanidade ainda não estabelecido o pressuposto para que a prática cristã possa efetivar-se. A sensibilidade para a ausência do “humano” revela, em seu reverso, a intuição do escritor em relação às possibilidades de um mundo humanizado, ainda por construir. Na carta de Böll a Annemarie, é dessa aguçada “presença do paraíso” – sua intuição para a utopia – que decorre a “melancolia” do escritor.

A melancolia é igualmente admitida pelo Satirista de Haecker. Em outra investida sua contra o Amigo, apresenta-se a seguinte argumentação:

Você admite no satirista o amor, mas nega-lhe a fé e a esperança. Mas na verdade você quer mesmo é dizer algo totalmente diferente; já conheço essa canção. Trata-se da melancolia do satirista, do fato de ele não conseguir nada, por certo!, nada, nada, nada! Nada em grandiosidade, nada naquilo que é fato, que é visível no mundo, “in quantitate”. A quantidade é a melancolia do satirista, e também a mediocridade que dela decorre. (…) – O satirista nada consegue, a melodia eterna que ele mesmo primeiro encontrou e depois cantou amargamente – ele, o pássaro noturno – antes da chegada da noite. Mas você já pensou sobre o quanto isso se aproxima do cristianismo? (376)

Afinal, a constatação das disparidades entre utopia e realidade, que o autor satírico destaca em sua atividade, não alcança quaisquer resultados práticos: eis aí o que torna sua atitude tão incompreensível para o mundo. Sua atuação resulta em fracasso e concretamente ele “não consegue nada”. Ainda assim, mantém-se inflexível diante dos erros do mundo e não cede às suas ofertas de adequação. Por essa recusa à conivência com a lógica e a atitude do mundo, o Satirista de Haecker identifica sua atividade com o cristianismo: “O cristianismo é por acaso um ‘sucesso’ na lógica do mundo? O que é que o santo como santo consegue de imediato e visível?” (376)

Tal valorização do fracasso constitui mais um ponto comum entre o raciocínio do Satirista e a postura defendida por Heinrich Böll: para este último, a literatura será capaz de construir a “terra acolhedora” à medida que recorrer às reservas de humanidade presentes sobretudo junto àqueles homens e mulheres desprivilegiados, considerados a escória (“der Abfall”) na estrutura da sociedade estabelecida.

amor apresenta-se assim, tanto para o Satirista quanto para Böll, como atitude solidária, que é, ao mesmo tempo, fonte de inconformidade. A esperança, por sua vez, revela-se na predisposição para se contrapor ao senso comum e desafiá-lo mesmo diante do provável fracasso. Faltaria apenas, para estar completa a tríade cristã, a presença da . Mais discreta no satirista, ela apenas se insinua como base de sua atitude. Revela-se, contudo, na analogia de Haecker com a ação também discreta do santo. Nas palavras do Satirista:

… eu falo em favor do mundo como criação, e em favor de suas leis e de sua ordem. O santo, que não consegue nada de imediato, salva almas e reconstrói nas profundezas e altitudes incomensuráveis do ser um equilíbrio antes cambaleante (…); não pretendo passar dos limites, mas quero salvaguardar uma fraca analogia, que você, de maneira leviana ou soberba – e é isso mesmo! -, quer abandonar ou aniquilar. Pois também o satirista consegue algo às escondidas. (376)

A conquista do satirista, análoga à do santo, consiste assim na reconstrução do equilíbrio no ser dos indivíduos – e, diríamos, em seu próprio ser. Nesse sentido, cabe mencionar a reflexão de Ulrich Gaier (1967) sobre a sátira. Ele a entende como fruto da consciência que está motivada pelo impulso de se preservar em face de ameaças impostas por uma realidade externa inapreensível. Para preservar-se, a consciência precisaria enfraquecer o real ameaçador, pelo riso, submetê-lo a uma forma passível de apreensão e, nesse processo, conseguir engajar aliados em meio ao universo de virtuais leitores. O satirista, marcado pelo sinal da melancolia e diminuído ante o grau de disparidade entre utopia e realidade, trata de proceder à reconquista de seu equilíbrio. À medida que escolhe objetos específicos de ataque e age sobre um universo restrito de leitores, devolve à sua consciência a capacidade de manter-se íntegra e consciente de si mesma.

No caso do satirista cristão como tal, isso implicaria a reconstrução de sua fé, elemento básico para a manutenção da própria identidade. A fé do satirista realiza-se apenas à medida que ele exerce a atividade satírica, já que é essa a maneira pela qual ele a constrói e manifesta, tanto diante do mundo quanto diante de si mesmo.

O Satirista, em Haecker, permite entrever o fio dessa reflexão nos últimos argumentos que apresenta. Sua atividade – concreta e individual – é para ele o caminho possível para a construção da própria fé. Ele se preserva diante do descrédito de seu interlocutor:

Pouco me importa como você imagina para si um satirista em abstrato. Pouco importa que você pense que ele não pode crer ou ter esperança, sendo que há alguém que crê e espera. Eu mesmo estou no meu elemento. Você pretende afirmar que um soldado – pois o satirista é como um soldado, um homem que precisa manusear uma arma – você pretende afirmar que um soldado em meio à guerra não pode crer e ter esperança em que um dia a paz volte a existir? O soldado não pode crer que seu posto e suas armas existam por causa da paz? E mais ainda! Oh, agora eu sei do que é que se trata! Você por acaso está querendo afirmar que hoje o satirista precisa ser como um pagão; que ele não pode rezar (…); que ele não pode se deixar conduzir? Que ele não pode, em nenhum momento de sua inquietação, encontrar a calma junto ao Eterno e Imutável? (379)

Inconformado diante da visão negativa do Amigo em relação à sua fé, o Satirista afirma-a, pelo tom de indignação de suas perguntas retóricas e pela comparação ao soldado. Em sua maneira de ver, seria inadmissível negar ao soldado a esperança de crer na paz futura. Sua fé e sua esperança confirmam-se pelo simples fato de participar da guerra. A atividade satírica – bélica, em certo sentido – é para o Satirista a maior prova de suas próprias convicções. Ele não admite, portanto, que se coloque em dúvida a sua fé.

Não admite, em outras palavras, que lhe seja atribuída a acusação de “louco”, no sentido de “ímpio”, conforme sugere a citação bíblica utilizada por Böll na defesa de um humor humano, identificado com as concepções de Jean Paul: “‘Não se deve chamar ninguém de louco’: este é o espírito de Jean Paul.” (ESR2, 88).  Ao defenderem a integridade do indivíduo, tanto o Satirista de Haecker quanto Böll defendem também a inescrutabilidade da fé de cada um. E procuram, portanto, evitar que a voz satírica se veja desautorizada diante dos cristãos em função de sua pretensa impiedade.

No caso de Böll, a preservação da voz satírica é movida pela vontade de usá-la também para externar-se sobre a igreja católica e a religião. O escritor não poderia fazê-lo se sua dicção o afastasse da comunidade de fé. Assim, a busca de legitimidade para o próprio discurso nos textos ensaísticos manifesta por um lado a predisposição para a polêmica e o questionamento e, por outro, a intenção de manter-se integrado à comunidade, autorizado a manifestar-se sobre ela como um de seus membros, também por meio das obras literárias, inclusive satíricas.

Böll encontrou repercussão significativa junto a teólogos de renome9, e seu esforço constituiu passo importante para a busca, ainda em curso, de efetiva integração da produção literária e dos estudos literários ao âmbito das reflexões sobre o cristianismo e a fé, também no contexto brasileiro. O debate social sobre as profundas transformações relativas ao papel da igreja católica e à presença das novas igrejas pentecostais na sociedade brasileira nesta última década, e em especial sobre a influência (ou falta de influência) dessas comunidades de fé e seus representantes na discussão sobre parâmetros comportamentais relativos à família e ao amor conjugal, por exemplo, talvez encontre na voz de Heinrich Böll e em seu romance Pontos de vista de um palhaço uma dicção particularmente aguçada, moldada na pedra de amolar da sátira.

 

Notas

* Este texto é versão atualizada e ampliada de outros artigos de minha autoria, a saber: ‘Nele tem-se a impressão de que amargura rima com travessura.’ Contribuição bibliográfica ao estudo da recepção de Heinrich Böll no Brasil. Revista de Ciências Humanas, Curitiba, n. 3, p. 105-111, 1994; Der Christ – ein Satiriker? Ein Versuch, Heinrich Böll und Theodor Haecker ins Gespräch zu bringen, Stimmen der Zeit, Freiburg, Alemanha, v. 217, n. 5, p. 341-350, 1999; e Heinrich Böll: a fé na sátira, Religião e cultura(PUC-SP), 2004; o texto na versão atual também inclui parte de outro artigo, a saber: Bate bola com Böll, Caderno Böll (Fundação Heinrich Böll, Rio de Janeiro), 2007, p. 9-12. Minha decisão de publicar estes textos novamente, ora fundidos em um só artigo, deve-se a que os dois artigos publicados em revistas científicas em português são hoje de difícil acesso e ao fato de que a tradução de Pontos de vista de um palhaço potencialmente recoloca o interesse pela questão aqui abordada, no contexto brasileiro.

1 Sobre o assunto, v. Soethe, 1996.

2 Sobre a sátira como forma literária, v. Soethe, 1998.

3 Sobre Haecker, v. Langer, 1990.

4 O atributo da saúde física é às vezes utilizado por Böll em sentido negativo, o que se pode entender como reação à valorização que a doutrina nazista havia conferido a tal qualidade (louvor da força física, purificação da raça, justificação da prática de eutanásia dos deficientes, etc.). Por exemplo ao criticar a sociedade alemã do pós-guerra por sua resistência a recordar-se do passado nazista, Böll volta-se contra os “homens sem capacidade de se recordar, os vitais, os saudáveis [die Gesunden].” (ESR1, p. 276)

5 As referências aos textos de Böll (1979) são indicadas pela sigla ESR seguidas do número do respectivo volume e, após a vírgula, o número da página.

6 Cf. Bíblia de Jerusalém, 1985, p. 1846, nota (r). A mesma conotação de “louco” como aquele que visa a uma “rebelião contra Deus” está também registrada em Bíblia. Tradução ecumênica, 1994, p. 1864, nota (y).

7 Sobre a questão v. Soethe, 1997.

8 Sobre a questão v. Timms, 1986.

9 Entre outros, Küng, 1989 e Kuschel, 1994.

 

Referências

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_____. Contos irónicos. Mira Sintra: Publicações Europa-América, [s. d.].

_____ O anjo silencioso. Trad. de Karola Zimber. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

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BIBLIOGRAFIA SOBRE BÖLL NO BRASIL

TRADUÇÕES BRASILEIRAS DAS OBRAS DE BÖLL

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______. Quando a guerra terminou. In: Idem.

______. Crianças também são civis? e outros contos. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro : Expressão e Cultura, 1970. 212 p.

______. Onde estiveste, Adão? Trad. de Guttorm Hansen. Rio de Janeiro : Expressão e Cultura, 1973. 187 p.

______. Casa sem dono. Trad. de Ebréia de Castro Alves. Rio de Janeiro : Artenova, 1973.

______. O pão dos jovens anos. Trad. de Joaquim Campelo. Rio de Janeiro : Artenova, 1973.

______. A honra perdida de Katharina Blum ou: possíveis origens e caminhos da violência. Trad. de Klaus Schell. Rio de Janeiro : Artenova, 1976. 137 p.

______. A hora sombria dos alemães. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 19 out.1977.

______. Um gole de terra. Trad. de Felícia Becker Volkart et allii. Porto Alegre : Instituto Goethe do Brasil, 1978.

______. O que vai ser deste rapaz? Ou alguma coisa a ver com livros. Trad. de Ingrid Stein-Krier. São Paulo : Editora Marco Zero, 1985. 82 p.

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______. Cerco Protetor. Trad. de Ingrid Stein-Krier. Rio de Janeiro : Francisco Alves Editora, 1987. 304 p.

______. Fim de uma viagem. Trad. de Reinaldo Guarany. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. 218 p.

_____ O anjo silencioso. Trad. de Karola Zimber. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

_____. Pontos de vista de um palhaço. Trad. de Paulo Soethe. São Paulo: Estação Liberdade, 2008.

 

RESENHAS DE OBRAS DE BÖLL EM PERIÓDICOS BRASILEIROS (ATÉ 1988)

THEODOR, Erwin. Heinrich Böll: Billard um halbzehn. O Estado de São Paulo. Suplemento Literário, São Paulo: 28 jun.1960.

CUNHA, Fausto. Heinrich Böll – o êxito com humor e ironia. Jornal do Brasil. Livro, Rio de Janeiro: 26 fev.1972.

HEINRICH Böll – um escritor comprometido com o homem. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 20 out.1972.

RAMBURES, Jean-Louis de. Böll continua o combate. O Estado de São Paulo, São Paulo: 29 abr.1973.

THEODOR, Erwin. Heinrich Böll – a popularidade de seus romances. O Estado de São Paulo, São Paulo: 23 set.1973.

PÓLVORA, Hélio. A guerra não é um esporte. Jornal do Brasil. Livro, Rio de Janeiro, n. 40: 17 nov.1973.

HEISE, Eloá di Pierro. A obra de Böll, uma poética do ser humano. O Estado de São Paulo. Cultura, São Paulo, n. 277: p.6, 6 out.1985.

LIVRO inédito de Böll lançado na Alemanha. O Estado de São Paulo, São Paulo: p.14, 4 jan.1986.

BACHERUCCI, Bruna. Um jovem à procura de seu caminho numa bela história contada por Heinrich Böll. Jornal da Tarde, São Paulo: p.8, 4 jan.1986.

THEODOR, Erwin. Escola hitlerista. O Estado de São Paulo. Cultura, São Paulo, n. 310: p.9, 25 mai 1986.

PONTES, Mario. O barco da salvação. Jornal do Brasil. Idéias, Rio de Janeiro, n. 34: 23 mai 1987.

TREVISAN, João Silvério. O apocalipse de todos nós. O Estado de São Paulo. Caderno 2, São Paulo: p.5, 28 jun.1987.

THEODOR, Erwin. Prosa alemã em traduç·es brasileiras. O Estado de São Paulo. Cultura, São Paulo, n. 380: p.10, 10 out.1987.

PONTES, Mario. Cenas da vida alemã. Jornal do Brasil. Idéias, Rio de Janeiro, n. 62: p.4, 5 dez.1987.

RÖHL, Ruth. Solidariedade norteia julgamento de um ato anárquico. Folha de São Paulo, São Paulo: 12 dez.1987.

LOPONDO, Lilian. Fim de uma viagem. O Estado de São Paulo. Cultura, São Paulo, n. 414: p.11, 25 jun.1988.

 

ARTIGOS EM GERAL SOBRE BÖLL EM PERIÓDICOS BRASILEIROS (ATÉ 1985)

HARLER, Hans. [Título não identificado]. Estado de Minas, Belo Horizonte: 25 fev.1968.

UM ESCRITOR contra a injustiça. Revista Visão, São Paulo: p.110, 4 dez.1972.

UM NOBEL cheio de culpas. Revista Veja, São Paulo: 25 out.1972.

CRIME legal, mais um tema de Böll. O Estado de São Paulo, São Paulo: 21 out.1972.

HEINRICH Böll – O poeta político faz 60 anos. O Globo, Rio de Janeiro: 27 dez.1977.

BÖLL aproveita o aniversário para criticar. Jornal da Tarde, São Paulo: 2 jan.1978.

PRÊMIO NOBEL alemão perde na justiça. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 1 jun.1978.

ESCRITORES alemães não aceitam condecoração e abrem polêmica política. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 31 maio 1979.

WAACK, William. Um prêmio Nobel discute o terrorismo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 24 jul.1979.

(Por ocasião de sua morte:)

AUGUSTO, Sérgio. Böll, a má consciência alemã./GONÇALVES FILHO, Antônio. Na obra, o retrato da desumanidade./A vida de um “radical moderado”. Folha de São Paulo, São Paulo: p.35, 17 jul. 1985.

MAGALHÃES, Graça. Alemanha perde Böll, crítico do “milagre”. O Globo, Rio de Janeiro: 17 jul.1985.

SCALZO, Nilo. O retratista de um século conturbado./A consciência de Böll nunca mais./Além da literatura, outras preocupações. O Estado de São Paulo, São Paulo: p.15, 17 maio 1985.

WAACK, William. O poeta e o humilhado./PONTES, Mario. Desconfiança das ideologias./Böll, uma voz que a Alemanha perde. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 17 jul.1985.

LAPOUGE, Gilles. Böll, uma obra além da literatura. O Estado de São Paulo, São Paulo: 19 jul.1985.

SILÊNCIO de um rebelde. Revista IstoÉ, São Paulo: p.40, 24 jul. 1985.

 

ENSAIOS SOBRE BÖLL EM REVISTAS ACADÊMICAS OU MONOGRAFIAS BRASILEIRAS (ATÉ 1997)

ALMEIDA, Doloris Ruth Sim·es de. O humanista Heinrich Böll. Fragmentos, Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, n. 1: p.185-196

CARPEAUX, Otto Maria. Literatura alemã. 2. ed. São Paulo : Nova Alexandria, 1994.
HEISE, Eloá di Pierro. A obra de Heinrich Böll, uma “l’art pour l’homme”. Língua e Literatura, Universidade de São Paulo, n.15: p.35-9, 1986.

_____. Introdução à obra de Heinrich Böll. São Paulo : Universidade de São Paulo, 1975.

KUSCHEL, Karl-Josef. Heinrich Böll e a visão de uma catolicidade diferente.  Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 21, n. 67, p. 539-557, 1994.

SOETHE, Paulo. ‘Nele tem-se a impressão de que amargura rima com travessura.’ Contribuição bibliográfica ao estudo da recepção de Heinrich Böll no Brasil.Revista de Ciências Humanas, Curitiba, n. 3, p. 105-111, 1994.

_____. “Situação histórica e concepções poéticas de Heinrich Böll”, Curitiba, Letras, n. 46, dez. 1996, p. 83-103.

_____. “Heinrich Böll e a legitimação teológica do discurso literário”, Belo Horizonte, Perspectiva teológica, n. 78, maio-ago. 1997, p. 205-223.

ROSENFELD, Anatol. História da literatura e do teatro alemães. São Paulo : EDUSP; EdUNICAMP; Perspectiva, 1993. p. 162.

_____. Letras germânicas. São Paulo : EDUSP; EdUNICAMP; Perspectiva, 1994. p. 211-224. (Artigo publicado originalmente no Suplemento Literário d’O Estado de São Paulo, em 23 de agosto de 1958.)

THEODOR, Erwin. Heinrich Böll e a literatura de escombros. In: Perfis e sombras: estudos de literatura alemã. São Paulo, Editora Pedagógica Universitária, 1990. p.216-20.

WISCHMANN, Christine. Resistência individual no Terceiro Reich: ‘Retrato de grupo com senhora’ de Heinrich Böll. Revista Letras, Curitiba, 1975.

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