PROCESSOS DE DERIVAÇÃO DE NOMES PRÓPRIOS EM TEXTOS ESCRITOS1

Eduardo Tadeu Roque Amaral, Cristina Dulce Souza Costa
Universidade Federal de Minas Gerais
 
 

Introdução
Este trabalho se ocupa de um tema específico da morfologia derivacional que são os derivados de nomes próprios. O objetivo é analisar um corpus de derivados de antropônimos coletados em textos da imprensa brasileira e de países de língua espanhola da América do Sul. Os dados fazem parte do projeto de pesquisa: Deonomástica contrastiva: repertório de derivados antroponímicos, o qual tem como objetivo identificar e analisar os processos de formação de derivados antroponímicos em textos do português e do espanhol contemporâneos, contrastando os aspectos morfológicos, lexicais e semânticos envolvidos na utilização de tais derivados.

Neste artigo, seguindo a tendência de Schweickard (3) e de outros autores, utilizamos o termo deonomástico para os derivados de nomes próprios e, concretamente, deantroponímicos para os itens derivados de antropônimos, ou seja, nomes de pessoas. Trata-se de um estudo sobre um tipo de derivação que, conforme expõem Boulanger e Cormier (36), é um fenômeno linguístico que coloca em comunicação dois sistemas: o dos nomes próprios e o dos nomes comuns. A respeito dos primeiros, apesar de haver atualmente grande número de trabalhos que se propõem a investigar suas propriedades linguísticas (Gary-Prieur, Grammaire; Gary-Prieur, L’individu; Leroy; Van Langendonck e muitos outros), são poucos os que se detêm nos processos de derivação de antropônimos, principalmente quando consideramos os dados do português brasileiro.

A partir da observação dos resultados encontrados em diferentes estudos sobre os derivados de nome próprio (Monjour; Rainer, La derivación; Rainer, De Porfiriato; Rainer La influencia; Santiago y Bustos; Schweickard), surgem as seguintes questões: quais são os sufixos mais frequentes para a formação de deantroponímicos em textos da imprensa contemporânea? Há preferência por um ou outro se comparadas duas línguas próximas como o português e o espanhol? Considerando os sufixos que favorecem a formação de deantroponímicos, quais são as propriedades linguísticas dos derivados?

Tendo em vista que foram escolhidas duas línguas para este estudo, o português e o espanhol, a hipótese inicial é que, embora os resultados coincidam em muitos pontos, há divergências que podem ser observadas ou pelo menos sugeridas a partir da observação dos textos da imprensa de países em que se falam esses idiomas. Como se explicará mais adiante, a coleta de dados para este trabalho se deu em duas seções de periódicos, dedicadas à política e a espetáculos.

A organização deste texto é a seguinte: inicialmente, apresentamos uma revisão teórica sobre o tema, com ênfase nos trabalhos que se detiveram sobre os dados do português e do espanhol. Em seguida, apresentamos a metodologia da coleta de dados. Em seguida, analisamos tais dados, observando a produtividade dos sufixos formadores de derivados e discutindo questões referentes à classe dos itens coletados, às seções em que se encontram e à língua a que pertencem. Por fim, apresentaremos as conclusões e sugestões para futuras pesquisas.

Aspectos teóricos
Cabré et al. analisam dados do espanhol e do catalão. As autoras compõem um corpus lexicográfico e outro neológico de cada língua para propor relações entre o nome próprio e a morfologia derivacional. O corpus neológico é formado por dados da imprensa, com o qual Cabré et al. analisam a formação de palavras a partir de antropônimos e de topônimos. As autoras observam que os dados de ambas as línguas são bem parecidos e estabelecem três grupos de sufixos segundo sua produtividade. No grupo dos sufixos mais produtivos, estão -iano / -ià2; -ismo / -isme; e -ista / -ista. Em seguida, vêm os sufixos de mediana produtividade, entre os quais estão –esco / -esc e –izar / -itzar. Por fim, vêm os improdutivos, que nem sempre coincidem entre as línguas, como –filia, –ino, etc. para o espanhol.

A análise dos dados do nosso corpus, que também são retirados da imprensa, poderá dizer-nos se os sufixos mais produtivos identificados por Cabré et al. (197) coincidem também no contraste português/espanhol. A hipótese, conforme apontado anteriormente, é que, sendo o português e o espanhol línguas próximas, a descrição dos sufixos usados na imprensa mantenha certa semelhança em ambos os idiomas. A seguir, apresentamos uma breve discussão sobre os principais sufixos formadores de derivados de nomes próprios.

Ao tratar da derivação nominal, Rainer (La derivación 4570) afirma que o grupo formado pelo sufixo -ismo se caracteriza por expressar opiniões ou posicionamentos que podem ser religiosos, filosóficos ou políticos. Para o gramático da língua portuguesa Said Ali (243), teria sido um movimento intelectual ocorrido na França nos séculos XVIII e XIX o responsável não só por ter influenciado a língua culta, que adotou grande número de vocábulos estrangeiros, mas também por tornar o sufixo –ismo apto a produzir novas palavras no português. Segundo o mesmo autor, o sufixo, entre outras funções, serve para dar nomes a doutrinas religiosas, filosóficas, políticas, artísticas (darwinismo, gongorismo, byronismo). Pelos motivos expostos, espera-se que -ismo seja um sufixo recorrente nos derivados presentes tanto na seção de política quanto na de espetáculos.

A respeito de –ista, Said Ali (244) afirma que sua primeira aplicação se deu para os partidários das doutrinas e sistemas denotados pelos itens com –ismo. Santiago e Bustos (4572), embora não tratem especificamente de derivados de nomes próprios, identificam um grupo de derivados em –ista cujos itens denotam convicções políticas, religiosas, filosóficas, científicas ou artísticas (centrista, humanista, etc.) e outro cujos itens designam participantes ou membros de um grupo (asambleísta, congresista, etc.). Rainer (La derivación 4622), por sua vez, destaca que este sufixo é usado com mais frequência com nomes de políticos.  Tendo em vista que parte do nosso corpus constitui-se de textos da seção de política, a pesquisa empreendida poderá verificar se há ou não uma tendência para derivados de nomes de políticos.

Ainda sobre o mesmo sufixo, Villalva (154) ressalta que a categoria sintática dos itens com –ista pode ser substantivo (Os comunistas perderam as eleições) ou adjetivo (Os estudantes comunistas perderam as eleições). A observação dos sintagmas de que os derivados fazem parte nos mostrará se ambas as classes são recorrentes.

Para a análise de –iano e –ano, é preciso levar em conta que alguns autores não diferenciam tais sufixos. Pharies (81), por exemplo, inclui –iano na entrada de –ano. Rainer (La influencia) é um dos autores que diferenciam tais sufixos, postura que também se adota neste trabalho. Formas como clariceana e borgeano, encontradas nos nossos dados, atestam que -ano pode ser autônomo em relação a -iano  – voltaremos  à questão mais adiante. De qualquer forma, –iano é considerado o sufixo por excelência na formação de derivados (cf. Rainer, La derivación 4621) e a expectativa é que tanto em português quanto em espanhol sejam encontrados derivados com este sufixo nos textos da imprensa.

Entre os sufixos de média produtividade encontrados por Cabré et al. está –esco. As autoras atribuem um caráter pejorativo para -esco e afirmam que, por isso, se reserva, em muitos casos, a nomes de autores que se afastam da “norma clássica”, como em quevedesco e valleinclanesco. Na mesma linha, Pharies recorda que, na análise semântica de Malkiel (apud Pharies 237), este autor havia identificado, por um lado, derivados do campo da arte e, por outro, entidades consideradas como exóticas ou pouco convencionais. Para Said Ali (245), termos com –esco teriam entrado no português pelo italiano, como em dantesco, concorrendo mais tarde com formas do francês. As características desse sufixo criam-nos a expectativa de que não sejam muito frequentes, nos textos dos corpora, os derivados em -esco.

Um dos sufixos que não vinha sendo explorado em estudos sobre derivados de antropônimos é -ato. No entanto, Rainer (De Porfiriato) estuda a presença desse sufixo na imprensa espanhola atual e observa que deantroponímicos em -ato vêm revelando uma notável produtividade, originando formas que não estão registradas em dicionários gerais. Conforme o autor, este uso de -ato, que é bastante recente, teria nascido no México durante a primeira metade do século XX e dali teria se difundido primeiro pela América Latina antes de chegar a Espanha nos anos oitenta e, principalmente, noventa. Em vários exemplos apresentados pelo autor, o indivíduo que serve de base para o derivado aparece na sua função de presidente de um país: aznarato (de José María Aznar), adolfato (de Adolfo Suárez), gonzalato (de Felipe González). Ao comentar dados sobre Argentina, Rainer (2007, p. 257) defende que, a partir dos anos 70, a popularidade do sufixo viria aumentando continuamente. Em seus exemplos estão, por exemplo: videlato (de Jorge Videla), menemato (de Carlos Menem), kirchnerato (de Néstor Kirchner). A pesquisa realizada também observou se são recorrentes formas em –ato.

A seguir, descrevemos os procedimentos metodológicos adotados para este trabalho.

Metodologia
A coleta de dados foi realizada por meio da leitura dos textos publicados em duas seções de diferentes jornais de países da América Latina. Durante a leitura de tais textos, foram sendo registrados os derivados detectados. Inicialmente, foram coletados os dados publicados na seção Política no período de agosto a outubro de 2010 do jornal Folha de São Paulo e, da mesma seção, os textos publicados nos jornais La Nación, (Argentina), La Nación (Paraguai), El Universal (Venezuela) e El País (Uruguay), durante os meses de janeiro a setembro de 2010. Em um segundo momento, a coleta de dados continuou com a leitura dos textos da seção dedicada a Espetáculos dos jornais Folha de São Paulo, de julho a outubro de 2010 e La Nación (Argentina), de janeiro a setembro do mesmo ano. Nesta segunda etapa, trabalhamos apenas com os jornais brasileiro e argentino, uma vez que os demais não se mostraram propícios para a pesquisa. Em princípio, tentou-se trabalhar com uma busca de dados de maneira homogênea, ou seja, mantendo a mesma seção e regularidade de período de publicação para todos os jornais pesquisados. No entanto, foi constatado que a página do jornal Folha de São Paulo não oferecia um sistema de busca que se estendesse por mais de um semestre após o texto ter sido publicado. Assim, foi preciso operar com textos de períodos diferenciados.

A partir da metodologia de coleta descrita acima, é possível estabelecer alguns grupos de afixos que são mais frutíferos ou menos nos textos dos âmbitos consultados (política e espetáculos).

Análise dos dados
Ao tratar do aspecto morfológico do nome próprio, Boulanger e Cormier (36) afirmam que a palavra criada pelo processo de afixação adquire o estatuto de parte do discurso, como substantivo, adjetivo, etc, o que lhe confere automaticamente e obrigatoriamente um significado. A afixação, ainda conforme os autores, tem como efeito lexicalizar um nome próprio, dando-lhe o papel de base derivativa (36). Esse processo de lexicalização é evidente nos dados, que mostram itens pertencentes a classes de sentido lexical.

Nesse sentido, no corpus analisado, os deantroponímicos mais comuns são os adjetivos e substantivos. Os afixos mais produtivos do período são a) os sufixos: –ismo; –ista e –iano; b) os prefixos: anti-, ultra-, pan-.

É significativo destacar que a sufixação é o processo mais fértil para a formação de deantroponímicos, tanto para criação de substantivos, quanto para os novos adjetivos e verbos. Discutiremos, a seguir, e com maior aprofundamento, os dados dos derivados por sufixação. Em seguida, faremos alguns comentários e exemplificação dos derivados por prefixação.

Sufixação
A coleta de dados nos textos publicados durante o período acima citado revelou um total de 72 derivados por sufixação, sendo 29 do português e 43 do espanhol, distribuídos conforme mostra o Quadro 1. Certamente, a superioridade dos dados em espanhol se deve ao maior número de veículos de língua espanhola pesquisados. Embora, por esse motivo, não seja adequado propor uma análise quantitativa comparativa entre as línguas, é possível observar uma tendência geral para o uso de certos sufixos3.

Desse modo, voltando às questões propostas no início deste trabalho, podemos afirmar que os sufixos mais frequentes para a formação de derivados nos dados do português são -iano e -ista.  No espanhol, encontramos os sufixos correspondentes como mais frequentes, além de -ismo com um número relativamente superior aos demais. Nos dados do português, diferentemente do que se esperava, não foi recorrente a criação de deantroponímicos com -ismo.

Quadro 1: Total dos derivados por sufixação
Quadro 1: Total dos derivados por sufixação

A seguir, analisaremos alguns aspectos particulares da produtividade de alguns sufixos, tendo em vista o exposto na primeira parte deste trabalho e os resultados do quadro 1.

Inicialmente, é preciso considerar que o processo de derivação em questão pode produzir itens de classes diferentes (substantivos e adjetivos) a partir do acréscimo do mesmo sufixo. Nos exemplos seguintes, é possível observar que o adjetivo chavistas em (1a) formado a partir do sobrenome Chávez mais o sufixo -ista,  tem como significado “de Chávez” (algo que provém de Chávez).   No exemplo (1b),  luguistas, embora formado a partir do mesmo sufixo, pertence a classe diferente, o que exemplifica o exposto por Villalva e comentado anteriormente: enquanto em (1a) chavistas se apresenta como um adjetivo, em (1b) temos um substantivo, posposto a um artigo definido e núcleo do sintagma nominal. Em português, a mesma possibilidade de distintas classes é registrada, como se percebe em (1c) e (1d). Seja como for, a presença de adjetivos supera a de substantivos.

(1a) “Por su parte, El Mundo resalta que “todo apunta a un colapso de la economía venezolana en 2010 (…) está claro es que las recetas chavistas han hundido al país en un pozo” El Universal, Venezuela_13/01/210 (Corte)

(1b) La elección se concretó gracias al pacto de los luguistas con liberales oficialistas, y los colorados nicanoristas y del sector de Soto Estigarribia, a quienes se sumaron los cuatro legisladores de Patria Querida. (La Nación, Pacto)

(1c) Sem a unanimidade do “núcleo duro” aecista, Serra deve ter mais dificuldades para convencer prefeitos de siglas que integram tanto a base federal quanto a aliança estadual, como PP, PDT e PSB. Nelas, Aécio já admitiu que pode haver defecções. (Vizeu)

(1d) Entre os tucanos está funcionando assim: cada vez que um serrista diz à praça que Aécio Neves está inclinado a aceitar ser vice, um aecista põe para circular a tese de que Serra está a ponto de desistir da candidatura. (Lo Prete)

A respeito de -ano e -iano, seria possível também supor uma presença de adjetivos e substantivos derivados. No entanto, à exceção de (2), cujo derivado do nome do escritor Balzac já se encontra dicionarizado em português, todos os derivados com esses sufixos são adjetivos. Os dados acima nos levam à conclusão de que a grande maioria dos derivados de nomes próprios são adjetivos.

(2)  “Na comédia romântica, Julia Roberts (foto) é Julianne, uma balzaquiana que entra em crise quando descobre que o amigo com quem havia feito um pacto de se casar aos 30 anos caso ambos estivessem solteiros (interpretado por Dermont Mulroney) está a caminho do altar com outra. (Folha, Televisão)

Ao apresentar os adjetivos denominais, Rainer (La derivación 4611) observa, como comentado anteriormente, que o sufixo –iano é o sufixo padrão (por defecto) para os derivados de antropônimos, mas também sugere que, no campo da política, –ista competiria este estatus com –iano. Essa competição não se confirma no corpus de textos de política da imprensa, já que as únicas ocorrências de derivados em –iano são borgiano e euclidiana, as quais, embora tenham sido usadas em textos da seção política, não se relacionam com um nome do âmbito político, mas ao campo das artes, de uma esfera literária. Dessa forma, borgiano é derivado do sobrenome Borges em (3) e euclidiana de Euclides em (4). Nos textos das seções de espetáculos, não há derivados de nomes de personalidades da política.

(3) Entonces, ya nadie puede ser eso que hizo él. Igual que con su literatura: escribir a lo Borges sería lo peor que se pueda hacer si alguien quiere estar cerca de él. Ser borgiano es lo contrario de ser Borges. (Dema)

(4) Tal qual Luís Bonaparte, Lula “gostaria de aparecer como o benfeitor patriarcal de todas as classes”. Foi ajudado pela oposição, sempre temerosa de enfrentar o governo. Usando uma imagem euclidiana, Lula “subiu, sem se elevar -porque se lhe operara em torno uma depressão profunda”. Ele almeja transformar o 3 de outubro no seu 18 Brumário.(Villa)

No mesmo sentido, o sufixo –ista é potencialmente preferido para nomes de políticos. Mesmo nos dados das seções de espetáculos, as ocorrências de derivados com este sufixo são: cheguevarista (de Che Guevara), getulista (de Getúlio Vargas), obamista (de Barack Obama) e marxista (de Karl Marx) encontrados nos dados de português e sandinista (de Augusto Sandino) e franquista (de Francisco Franco) nos dados em espanhol. Como se vê, todos esses itens se derivam de personalidades do meio político. Nos dados da seção de política propriamente, todas as ocorrências são formadas a partir do nome de políticos. Esses resultados nos permitem afirmar que -ista pode ser considerado o sufixo por excelência para os atuais nomes de políticos4.

Pharies (358), ao comentar a evolução de –ista e –ismo, afirma que aos derivados em –ista do grupo que engloba “partidario de” corresponde quase sempre um substantivo em –ismo para designar a prática ou doutrina. De fato, as ocorrências abaixo comprovam essa interpretação. O substantivo kirchnerismo (5),derivado do sobrenome Kirchner, é utilizado para designar o sistema político iniciado com Néstor Kirchner.

(5)Luego de que Sabbatella intentó liderar un acercamiento de la centroizquierda al kirchnerismo en el Congreso, Tumini y Ceballos no sólo desembarcaron en Proyecto Sur con sus dos diputadas, Victoria Donda y Cecilia Merchán, sino que también aportaron a las huestes del cineasta el apoyo de Barrios de Pie, el brazo piquetero de Libres del Sur.”(La Nación, El intendente)

Entretanto, comparando a tese de Pharies com a análise dos nossos dados, podemos afirmar que, embora possa haver uma correspondência entre os dois sufixos, é muito menos frequente a presença de –ismo que a de –ista. Supomos que essa diferença se deva ao fato de que é mais fácil apresentar “partidários de X” ou “produtos ou objetos com características de X”, em que X se refere a um portador de um antropônimo, do que propor um nome para uma possível “doutrina ou modo de governar de X”. Desse modo, é mais comum imaginar um grupo de apoiadores de um político como Aécio Neves e utilizar aecista (exemplo (1d) repetido abaixo) do que fazer uso de um nome aecismo, que deveria denotar uma prática ou doutrina com uma certa consolidação. O mesmo se pode afirmar para serrista, também encontrado no mesmo fragmento:

(1d) Entre os tucanos está funcionando assim: cada vez que um serrista diz à praça que Aécio Neves está inclinado a aceitar ser vice, um aecista põe para circular a tese de que Serra está a ponto de desistir da candidatura. (Lo Prete)

Como afirmado anteriormente, distinguimos neste trabalho –iano de –ano. No corpus coletado, encontramos borgiano e borgeano, ambos derivados do mesmo antropônimo, Borges, sobrenome do escritor argentino Jorge Luis Borges. O Diccionario de la Real Academia aceita as duas formas, o que contribui para que vejamos que é possível usar um ou outro sufixo na formação dos derivados. Seguramente, a forma com –iano é a mais frequente, o que confirma a superioridade numérica deste sufixo.

As duas únicas ocorrências de –esco confirmaram a expectativa inicial de baixa produtividade desse sufixo. Em (6a), sabinesca é derivado de Sabina, sobrenome do músico espanhol Joaquín Sabina. A presença desse derivado é facilmente explicável pelo fato de que, no mesmo texto, logo no início (6b), afirma-se que ele teria entrado em cena com um ar quixotesco. Desse modo, é estabelecida uma relação entre a figura do personagem literário e a do músico e a presença do derivado se apoia na forma já dicionarizada quijotesco.

(6a) “La cuota de rock sabinesca sonó con fuerza, sobre todo, en el final, con “La del pirata cojo”, “Embustera” y “Pastillas para no soñar”, tema que eligió para cerrar un show por el que los espectadores pagaron hasta 380 pesos por verlo en el campo de juego. (Tomino)

(6b) Sonriente y vivaz, su delgada humanidad irrumpió en el escenario con un aire quijotesco: llevaba un saco pingüino negro, una remera del mismo color, un pantalón de vestir bordó y su infaltable sombrero.(Tomino)

Outro sufixo que merece a pena comentar é –ato. Afirmamos anteriormente que Rainer (2007) registrou uma grande produtividade desse sufixo em textos da Espanha e da América Hispânica. Nos dados de língua espanhola, não encontramos nenhuma ocorrência com esse sufixo, mas há uma em português, que pode ser explicada pela comparação com um nome espanhol. Em (7), o derivado Lulato (de Lula) é criado a partir de uma analogia com Maximato (de El Jefe Máximo), termo espanhol que se refere a um período histórico e político do México. Portanto, caracteriza-se como uma ocorrência bem pontual, que não nos permite supor uma presença desse sufixo entre os que propiciam a formação de deonomásticos no português.

(7) O perigo da mexicanização está na transformação do Nosso Guia em “El Jefe Máximo” do Lulato.  […]
O que está aí para todo mundo ver é o Lulato, com Nosso Guia pedindo votos para sua candidata e uma grande parte do eleitorado, consciente e satisfeita, dizendo que atenderá com muito gosto ao seu pedido. (Gaspari)

Ao tratar dos verbos denominais, Serrano-Dolader (4696) assinala que a produtividade da verbalização nominal em –izar confirma-se por numerosos neologismos. Desse modo, um verbo denominal em –izar costuma ter valor causativo se sua base “es un sustantivo que denota un estado o una cualidad susceptible de ser reinterpretada como estado” É possível que esse mesmo “valor causativo” possa ser empregado para os verbos derivados de antropônimos como se apresenta no fragmento a seguir:

(8) “Los Kirchner lograron kirchnerizar a sus adversarios. A la oposición no le bastó con controlar todas las comisiones, ni con presidir 13 de ellas. En varias quedó con 9 votos sobre 15. Había que satisfacer a Menem.”( La Nación,Argentina- 04/03/2010) (Pagni)

De qualquer forma, essa foi a única ocorrência registrada, assim como foi única a ocorrência de infinitivo derivado em –ar, como em (9). Seria necessária outra pesquisa para averiguar se, de fato, é esporádico esse processo de formação de deantroponímicos tanto em português quanto em espanhol.

(9) O movimento, espontâneo, é encabeçado pelos doces bárbaros Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Em 2002, todos apoiaram Lula contra Serra. Oito anos depois, decidiram “marinar“. (Franco)

Em (9), a presença das aspas serve para marcar uma estranheza da forma, que coincide inclusive com outro verbo homônimo do português.

Prefixação
A respeito da prefixação, é importante ressaltar que este processo aparece posterior ao de sufixação, como em: antikirchnerismo y ultrakirchnerista. A prefixação do primeiro derivado parte do substantivo formado a partir do sufixo –ismo agregado ao antropônimo Kirchner. No segundo caso, o prefixo ultra– se adjunge ao adjetivo derivado kirchnerista.

Boulanger e Cormier (40) distinguem os derivados de nível 1, 2 e 3. Em seus exemplos, américain (americano, de América) seria um derivado (onomatismo, na nomenclatura dos autores) de nível 1, américaniser (americanizar) uma forma de nível 2 e américanisation (americanização) uma de nível 3. Seguindo esse raciocínio, os dados coletados seriam formas de nível 2. Em outros termos, é possível sustentar que a prefixação de casos como os nossos não são uma derivação de antropônimos, mas de deantroponímicos, posto que os prefixos são acrescentados aos itens derivados. Podemos ilustrar esse processo por meio do seguinte fragmento:

(10) “Presidenta del PJ de San Martín, Camaño ahora sueña con ser uno de sus alfiles en la primera sección electoral para el armado antikirchnerista en la provincia.” (La Nación, El intendente)

No fragmento (10), o adjetivo antikirchnerista está formado a partir do derivado kirchnerista, que, por sua vez, é derivado do sobrenome Kirchner. Assim, o prefixo -anti constrói o sentido de oposto, ou seja, de propriedades contrárias ao que é kirchnerista (partidário de Kirchner).

De qualquer forma, os dados encontrados são muito poucos e concentram-se nos seguintes prefixos: anti-, ultra- e pan-.

Considerações finais
Por meio dos textos contemporâneos que serviram para a coleta de dados, foi possível notar que os procedimentos morfológicos de formação de derivados a partir de antropônimos gozam de uma razoável produtividade.

Voltando às questões propostas no início deste trabalho, podemos afirmar que os sufixos mais frequentes para a formação de derivados nos corpora investigados são –ista, –iano e –ismo, com preferência para os dois primeiros. Sufixos como –ano (borgeano), –ato (lulato), –esco (sabinesco), –ar (marinar)e –izar (kirchnerizar)são de baixa produtividade, o que comprova também a baixa produtividade de verbos derivados de nomes próprios de pessoa, em oposição à formação de adjetivos e substantivos. Ainda com respeito à classe de palavras, observamos que a derivação sufixal de antropônimos produz preferencialmente adjetivos.

Considerando a questão das peculiaridades dos sufixos e dos derivados, a análise possibilitou várias conclusões, dentre as quais destacamos as seguintes: como foi demonstrado, o sufixo –ista pôde ser considerado o sufixo por excelência para os atuais nomes de políticos tanto em português quanto em espanhol. Mesmo nos dados das seções de espetáculos, as ocorrências de derivados com este sufixo (cheguevarista, getulista, obamista e marxista encontrados nos dados de português e sandinista e franquista nos dados em espanhol) se derivam de personalidades do meio político.

Embora muitos trabalhos relacionem os derivados de –ista com os de –ismo, vimos que estes são muito menos frequentes que aqueles. Nesse sentido, argumentamos que poderia ser mais fácil para o usuário da língua criar derivados com o significado de “partidários de um indivíduo” ou “produtos ou objetos com características de um indivíduo”, do que propor um nome para uma possível “doutrina ou modo de governar de um indivíduo”, que exigiria uma consolidação mais forte das ações e práticas dessa doutrina, tal como já se observa para nomes já lexicalizados como bonapartismo (de Napoleão Bonaparte) e hitlerismo (de Adolf Hitler).

Como os dados são poucos, não é possível estabelecer um contraste suficiente entre as duas línguas, mas podemos levantar uma hipótese de maior frequência no espanhol da presença de formas em –ismo. Da Argentina, encontramos, por exemplo: kirchnerismo (de Néstor Kirchner), peronismo (de Domingo Perón), menemismo (Carlso Menem). Tal hipótese precisaria ser verificada futuramente. Também valeria a pena a análise de derivados em outros gêneros textuais, para um maior conhecimento das semelhanças e diferenças entre o português e o espanhol.

Também registramos, no corpus deste trabalho, a presença de prefixos como anti-, pan- e ultra- diante de derivados de antropônimos. Mas, conforme já era esperado, o número de dados da prefixação é muito menor que o da sufixação.
 
 
Notas
 

1 Apoio: Programa de Auxílio à Pesquisa de Doutores Recém-Contratados da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG.

2 Nas menções ao trabalho de Cabré et al., o primeiro sufixo é do espanhol e o segundo do catalão.

3 Registre-se, ainda, que os valores apresentados no quadro se referem à soma das diferentes formas derivadas em cada veículo, não entrando no cômputo as ocorrências repetidas do mesmo deantroponímico, o que, certamente, elevaria consideravelmente os resultados. Essa opção se justifica na medida em que se buscava verificar muito mais a diversidade das formas, numa abordagem qualitativa, do que uma quantificação dos dados, o que seria mais bem realizado caso fosse utilizada alguma ferramenta informática de base estatística.

4 Esse resultado é semelhante a outro de trabalho anterior, em que, analisando derivados de nomes de líderes políticos da América do Sul, as formas em –ista foram encontradas nos corpora da Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai e Brasil (Amaral, 2011). Formas em -iano, por outro lado, foram registradas apenas no corpus da Colômbia e no do Brasil.

 
 
Referências
 

Amaral, Eduardo Tadeu Roque. “Sobre epônimos e deonomásticos: processos de criação lexical a partir de antropônimos na língua espanhola”. Anais do VI Congresso Internacional da ABRALIN. v. 2. João Pessoa: Ideia, 2009: 3477-3486.

Amaral, Eduardo Tadeu Roque. Análise de itens derivados por sufixação de nomes de líderes políticos da América do Sul. XVI Congreso Internacional de la ALFAL. Alcalá de Henares, 2011. Comunicação oral não publicada.

Boulanger, Jean-Claude; Cormier, Monique C. Le nom propre dans l’espace dictionnairique general: etudes de métalexicographie. Tübingen: Max Niemeyer, 2001.

Cabré, María Teresa et al. “Nombre propio y formación de palabras”. Wotjak, Berd (ed.). En torno al sustantivo y adjetivo en el español actual: aspectos cognitivos, semánticos, (morfo)sintácticos y lexicogenéticos. Frankfurt am Main/Madrid: Vervuert/Iberoamericana, 2000: 191-206.

Corte, María Lilibeth da. “Prensa internacional resalta razón electoral de las medidas”. El Universal. 13 de janeiro de 2010. Política. 10 de abril de 2011. <http://www.eluniversal.com.ve/2010/01/13/pol_art_prensainternacional_1722642.shtml>.

Dema, Verónica. “Martín Kohan: ‘La literatura tiene un lugar muy marginal en nuestro país’”. La Nación Argentina. 16 abril de 2010. Política. 10 de abril de 2011. <http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota_id=1258191>.

Folha de São Paulo. “Televisão, o melhor do dia”. Folha de São Paulo.15 de maio de 2010. Ilustrada. 10 de abril de 2011. <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1505201002.htm>.

Franco, Bernardo Mello. “Verdes bárbaros”. Folha de São Paulo. 23 de maio de 2010. Poder. 12 de abril de 2011. <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2305201014.htm >.

Gary-Prieur, Marie-Noëlle. Grammaire du nom propre. Paris: Presses Universitaires de France, 1994.

_________. L’individu pluriel: les noms propres et le nombre. Paris: CNRS, 2001.

Gaspari, Elio. “Quando a oposição perde, apita: PRIiiiiii!”. Folha de São Paulo. 1 de setembro de 2010. Poder. 12 de abril de 2011. <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0109201004.htm>.

La Nación. “El intendente que busca ser Harry Potter”. La Nación. 4 de janeiro de 2010. Política. 10 de abril de 2011.
<http://www.lanacion.com.ar/1218045-el-intendente-que-busca-ser-harry-potter>.

La Nación (Paraguay). “Pacto libero-luguista con colorados y fadulistas”. La Nación. 16 de junho de 2010. 3 de março de 2011. <http://anteriores.lanacion.com.py/noticias/noticias.php?not=311641&fecha=2010/06/16>.

La Stella, Enzo T. Dizionario storico di deonomástica: vocaboli derivati da nomi propri, con le corrispondenti forme francesi, inglesi, spagnole e tedesche. Firenze: Olschki, 1984.

Leroy, Sarah. Le nom propre en français. Paris: Ophrys, 2004.

Lo Prete, Renata. “O Cerco”. Folha de São Paulo.10 de fevereiro de 2010. Brasil. 10 de abril de 2011. <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1002201001.htm>.

Monjour, Alf (2002): “Les formations déanthroponymiques en portugais”. Kremer, Dieter (org.). Onomastik: Band V – Onomastik und Lexikographie Deonomastik. Akten des 18. Internationalen Kongresses für Namensforschung. Tübingen: Max Niemeyer, 2002: 101-113.

Pagni, Carlos. “Una ingobernabilidad menos pavorosa”. La Nación. 4 de março de 2010. Política. 12 de abril de 2011. <http://www.lanacion.com.ar/1239633-una-ingobernabilidad-menos-pavorosa>.

Pharies, David. Diccionario etimológico de los sufijos españoles y de otros elementos finales. Madrid: Gredos, 2002.

Rainer, Franz. “La derivación adjetival”. Bosque Muñoz, Ignacio; Demonte Barreto, Violeta (dir.). Gramática descriptiva de la lengua española. V. 3. Madrid: Espasa Calpe, 1999: 4595-4643.

_________. “Zum Problem der Suffixwahl im Bereich der Relationsadjektive zu spanischen Schriftstellernamen”. Kremer, Dieter (org.). Onomastik: Band V – Onomastik und Lexikographie Deonomastik. Akten des 18. Internationalen Kongresses für Namensforschung. Tübingen: Max Niemeyer, 2002: 115-127.

_________. “De ‘Porfiriato’ a ‘zapaterato’”. Lingüística Española Actual 29 /2 (2007): 251-259.

_________. “La influencia latina, francesa e inglesa en el desarrollo del sufijo –iano”. Sánchez Miret, Ferdando (ed.). Romanística sin complejos: Homenaje a Carmen Pensado. Bern: Peter Lang, 2009: 237-256.

Said Ali. M. Gramática histórica da língua portuguesa. 7. ed. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1971.

Sandmann, Antônio José. Formação de palavras no português brasileiro contemporâneo. Curitiba: Scientia et Labor, 1988.

Santiago Lacuesta; Ramón; Bustos Gisbert, Eugenio. “La derivación nominal”. Bosque Muñoz, Ignacio; Demonte Barreto, Violeta (dir.). Gramática descriptiva de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe, 1999: 4505-4594.

Schweickard, Wolfang. “‘Deonomastik’ Ableitungen auf der Basis von Eigennamen im Französischen (unter vergleichender Berücksichtigung des Italienischen, Rumänischen und Spanischen. Tübingen: Max Niemeyer, 1992.

Serrano-Dolader, David. “La derivación verbal y la parasíntesis”. Bosque Muñoz, Ignacio; Demonte Barreto, Violeta (dir.). Gramática descriptiva de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe, 1999: 4683-4755.

Tomino, Paulo. “Anticipo del show de esta noche”. La Nación.17 de abril de 2010. Espectáculos. 11 de abril de 2011. <http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota_id=1223773>.

Van Langendonck, W. Theory and typology of proper names. Berlin: Walter de Gruyter, 2007.

Villa, Marco Antônio. “O Nosso 18 Brumário”. Folha de São Paulo. 4 de agosto de 2010. Ilustrada. 10 de abril de 2011. <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0408201013.htm>.

Villalva, Alina. Estruturas morfológicas: unidades e hierarquias nas palavras do português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

Vizeu, Rodrigo. “Base de Aécio vacila em apoiar serra”. Folha de São Paulo. 7 de junho de 2010. Poder. 3 de março de 2011. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0706201005.htm>.

 
 

'PROCESSOS DE DERIVAÇÃO DE NOMES PRÓPRIOS EM TEXTOS ESCRITOS1' has no comments

Be the first to comment this post!

Would you like to share your thoughts?

Your email address will not be published.

Images are for demo purposes only and are properties of their respective owners.
Old Paper by ThunderThemes.net

Skip to toolbar