A INTERAÇÃO FONOLOGIA-MORFOLOGIA-SINTAXE: DISCUTINDO MODELOS DE ANÁLISE ATRAVÉS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO 1

Indaiá de Santana Bassani
Universidade de São Paulo
 
 

Introdução

Qualquer modelo formal de análise linguística deve ser capaz de explicar dados linguísticos que sugerem a interação entre diferentes componentes da gramática. Nesse trabalho, interessa-nos discutir, inicialmente, a interação entre os componentes fonológico e morfológico, uma dessas importantes áreas de interface. Para tal, discutimos dados que evidenciam de forma robusta essa interação: os prefixos do português brasileiro (PB). Partimos dos trabalhos de Schwindt (2000, 2001), que oferecem uma abrangente descrição e um tratamento dentro da teoria da Fonologia Lexical (FL) (Kyparsky 1982; Mohanan 1982) para tais dados, para, então, discutir uma análise alternativa em Morfologia Distribuída. O presente trabalho apresenta como ponto de partida as seguintes questões:

1. Se, de fato, o fenômeno da prefixação ocorre em níveis distintos do léxico (Schwindt op.cit.), como explicar o fato empírico de que prefixos ditos “lexicais” ou legítimos (PLs) (nível I do léxico) podem ser responsáveis pela introdução de argumentos na estrutura sintática em um modelo como a Fonologia Lexical, que não permite a interação entre o nível I do léxico e a sintaxe?
2. Como explicar que processos fonológicos não esperados se dêem em Prefixos Composicionais (PCs) sem recorrer a uma explicação por lexicalização?

Essas duas primeiras questões, que surgem como deficiências de um tratamento para os prefixos dentro do modelo da FL, nos levam à terceira questão desse estudo, que pode ser interpretada como um objetivo deste trabalho:

3. Como tratar as diferenças prosódicas e o diferente estatuto fonológico dos prefixos do PB, tal como descrito e explicado por meio do modelo da Fonologia Lexical em Schwindt (2000) em um modelo sintático de formação de palavras como a Morfologia Distribuída?

Se uma análise como a de Lee (1995) e a de Moreno (1997), que colocam todos os prefixos em um mesmo nível no léxico, não captura essas distinções prosódicas, como um modelo que coloca todo o processo de formação de palavras na sintaxe poderia fazê-lo?

A partir dessas questões, o objetivo deste trabalho é investigar qual modelo de gramática parece mais adequado para tratar especificamente dos dados de prefixos do PB. Partimos de algumas hipóteses formuladas abaixo:

A principal hipótese deste trabalho é a de que não é necessário postular um léxico de dois níveis para dar conta de explicar o fenômeno da prefixação tendo assumido a distinção entre prefixos composicionais (PC) e prefixos legítimos (PL), cujos fenômenos empíricos que lhe dão suporte são a atribuição de acento e a distinção entre forma presa e forma livre.

Nossa hipótese é a de que o fato de PCs serem formas acentuadas e se juntarem a bases livres e, por outro lado, os PLs serem sílabas átonas que se juntam à esquerda de uma base presa, são faces de um mesmo fenômeno: a restrição de localidade na formação de palavras (Marantz 2001, 2008).

O trabalho se organiza da seguinte maneira: primeiro apresentamos um breve histórico do tratamento da interação fonologia-morfologia em Teoria Gerativa (Seção 2), em seguida introduzimos uma resenha crítica sobre o tratamento dado para os prefixos do PB pelo trabalho em fonologia lexical de Schwindt 2 (Seção 3), para o qual apontamos alguns problemas (Seção 4) e sugerimos uma alternativa de análise dentro do modelo da Morfologia Distribuída (Seção 5). Finalmente, apresentamos a conclusão do trabalho (Seção 6).

2. A interação Fonologia-Morfologia dentro da Teoria Gerativa

No estabelecimento do modelo da Fonologia Gerativa padrão pelo modelo de Chomsky e Halle (1968), conhecido como SPE (The Sound Patter of English), a interação entre a fonologia e a morfologia era tratada de forma minimizada, com maior enfoque nas operações fonológicas propriamente ditas. Por se aplicar a segmentos já formados, entendia-se que todos os processos fonológicos deveriam aplicar-se a estruturas morfológicas estabelecidas e, dessa forma, assumia-se que operações morfológicas se aplicavam anteriormente às fonológicas. A ordem dos morfemas, por sua vez, era dada pelas operações sintáticas. Somente nos casos de alomorfia mais drásticos é que se recorria a regras de reajuste (Spencer 1991). Ainda, a descrição da interação entre morfologia e fonologia era somente explicitada na descrição de regras que se aplicavam a fronteira de morfemas e a fronteira de palavras por meio de símbolos limítrofes (+, # e ##) (Hernandorena 1996).

Foi no ano de 1982 (Kyparsky 1982; Mohanan 1982) que surgiu então a Fonologia Lexical, uma teoria que tem como objeto de estudo direto a interação entre a estrutura morfológica de uma palavra e as regras fonológicas que a ela se aplicam. Em linhas gerais, esse modelo acredita que o léxico de uma língua deva estar organizado em estratos (ou níveis) que são domínios para regras fonológicas e morfológicas que podem ocorrer e re-ocorrer simultaneamente em um mesmo nível. Aqui, abandona-se a ideia de que toda a morfologia precede a fonologia como se fazia no SPE. Ainda, além da interação entre as operações morfológicas lexicais e as operações fonológicas, prova-se que estas últimas podem aplicar-se também pós-lexicamente, após a estruturação sintática de uma sentença ou sintagma (regras pós-lexicais).

Em meados da década de 90, após certa perda de importância e interesse pelos estudos morfológicos (Halle & Marantz 1993), abriu-se uma discussão acerca do papel da morfologia em um modelo como o chamado modelo em T para a arquitetura da gramática (Figura 1). Até então, a morfologia vinha sendo tratada como uma mera extensão da fonologia (Fonologia Lexical) ou da sintaxe (Teoria GB e Minimalismo), sem que merecesse um local exclusivo na arquitetura da gramática. 3

A Morfologia Distribuída, ainda uma versão dentro do modelo de Princípios e Parâmetros, através do trabalho pioneiro de Hale e Marantz (op.cit.) assume que a morfologia não deve estar concentrada em um único lugar e, assim, adquirir um caráter imutável; antes, ela pode estar distribuída entre os componentes da gramática. Tal proposta constitui uma vantagem para explicar as interações que as mudanças morfológicas apresentam com fenômenos fonológicos e sintáticos. Trataremos mais da explicitação desse modelo no item 5.1.
Partindo desse breve resumo sobre a interação entre fonologia e morfologia dentro do quadro gerativo em um recorte que nos interessa aqui, trataremos no presente trabalho de um fenômeno linguístico que precisa de ferramentas explicativas que envolvam no mínimo três dos principais níveis de análise linguística (fonologia, morfologia e sintaxe): o estatuto das formações prefixais por meio de dados do PB.

3. Um tratamento morfo-fonológico para os prefixos do PB em Fonologia Lexical: Schwindt (2000)

O trabalho de Schwindt tem o objetivo de contribuir para a discussão sobre a interação entre os componentes fonológico e morfológico por meio da observação dos prefixos do PB utilizando como base os pressupostos da Fonologia Prosódica (Nespor & Vogel, 1986) e da Fonologia Lexical (Kyparsky, 1982, 1985).

Os prefixos são unidades linguísticas que apresentam relevância tanto fonológica como morfológica e, dado seu comportamento fonológico ambíguo, parecem se tratar de um grupo heterogêneo. Schwindt apresenta uma discussão acerca do estatuto dos prefixos, se constituiriam ou não palavras fonológicas e, em quais casos, haveria coincidência entre o que é palavra fonológica e o que é palavra morfológica.

3.1. O estatuto prosódico do prefixo no PB
Partindo de uma abordagem sincrônica 4 , o autor levanta a seguinte questão com relação ao estatuto prosódico do prefixo no PB: seriam eles palavras fonológicas independentes ou sílabas átonas que se afixam à esquerda de uma base?

O resultado da investigação é que os prefixos não seriam um grupo homogêneo, ou seja, nem todos os prefixos possuem a mesma configuração prosódica, apesar de aparentemente terem o mesmo estatuto morfológico. Uma primeira abordagem prosódica levaria a divisão entre prefixos dissilábicos e monossilábicos. No entanto, essa divisão não reflete algumas diferenças fonológicas importantes, em especial em termos de processos sofridos, que a divisão sugerida na tabela 1, reproduzida de Schwindt, pode capturar.

A proposta do autor é que os prefixos sejam distribuídos em prefixos composicionais (PCs) e prefixos legítimos (PLs), sendo que os primeiros têm a estrutura prosódica de vocábulos fonológicos independentes (ω) e os segundos se estruturam como sílabas átonas (σ) afixadas a uma base. Em um paralelo com outras categorias morfossintáticas, PCs têm o perfil prosódico dos compostos autênticos e PLs o perfil dos clíticos. Os argumentos que sustentam inicialmente a divisão em PCs e PLs são a atribuição do acento nessas formas (argumento fonológico) e o caráter de forma livre ou forma presa (argumento morfológico).
Por definição, cada palavra fonológica só pode possuir um acento primário (Nespor & Vogel op. cit.). Se observarmos os dados do grupo dos PCs na tabela 1, tanto dissilábicos (a) como monossilábicos (b), perceberemos que se tratam de formas acentuadas. Na junção com bases que formam palavras fonológicas do português, haverá dois elementos acentuados; duas palavras fonológicas e uma palavra morfológica, como nos exemplos em (1):

Diferentemente, os dados em (2) configuram apenas uma palavra fonológica apesar de possuírem um prefixo, um elemento morfológico. Tal fato se dá porque se tratam de prefixos monossilábicos inacentuados.

s[i]gundo).
Esse processo parece não atingir os PCs (9)a., fora alguns casos considerados pelo autor como lexicalizados (9)b:

(9)

a) hiperglicemia ~ *hip[i]rglicemia
b) pr[ε] + sentir → pr[e]ssentir ~ pr[i]ssintir

Com exemplos escassos, na verdade, somente com evidências do prefixo re-, parece que os PLs aceitam esse processo:

(10)

a) r[e]primido ~ r[i]primido
b) r[e]tiro ~ r[i]tiro

iii. Assimilação da Nasal
Nos dados de PCs, as nasais finais de prefixos como Pan- e RecéN- seguem o padrão de comportamento de nasais em posição de coda final, tornando-se assimilada ou formando onset não-coronal da sílaba seguinte:

Uma possível exceção seria o caso de pa[na]mericano, que seria tratado dentro desse modelo como um caso de lexicalização. Na seção 5.4 explicaremos como tratar desses casos em que a ocorrência inesperada de um processo fonológico indica um tipo diferente de estrutura.
Já nos dados de PL, as nasais de prefixos como eN- e aN- tornam-se onset coronal da sílaba seguinte, comportamento típico de um processo derivacional (lexical).
(13)

a) aN + alfabeto → a[n]alfabeto
b) eN + altecer → e[n]altecer
c) iN + alterado → i[n]alterado
d) coN + ação → co[n]ação

Concluindo, a assimilação total da nasal pela ambiente nunca é uma alternativa para PCs (14)a., ao passo que pode ocorrer com PLs. Em (14)b-e, nota-se o espraiamento da lateral e por fim o apagamento total da nasal:

(14)

a) paN+léxico → pa[N]léxico ~ p[ã:]léxico ~ *pa[l]éxico
b) iN+legal → i[l]egal
c) iN+regular → i[R]egular
d) coN+lateral → co[l]ateral
e) coN+religionário → co[R]eligionário

3.2. O estatuto prosódico do prefixo e o léxico do PB
Contrariamente a todo o tratamento que já havia sido feito (Lee, op.cit; Moreno, op.cit), Schwindt divide os prefixos em diferentes níveis no léxico, de acordo com seu estatuto prosódico.
Em resumo, toda prefixação é um processo derivacional (ocorre no léxico), mas pode ser uma prefixação de nível I (PLs) ou prefixação de nível II (PCs). A prefixação de nível I lida com bases em formação e a de nível II lida com palavras prontas.
A partir dessas considerações, o autor sugere a seguinte organização do léxico do PB:

4. Problemas na proposta de Schwindt (2000)

Nesta seção, apontaremos três problemas decorrentes da proposta de Schwindt com o intuito de discuti-los e propor uma alternativa de análise na seção 5.4.

4.1. A Falta de interação entre PLs e estrutura sintática
Schwindt afirma que os PLs são inseridos no nível I do léxico que, como podemos ver por meio da figura 2, não mantém nenhuma relação com o nível sintático neste modelo de arquitetura da gramática. Entretanto, é fato que alguns prefixos mantêm estreita relação semântica e argumental com outros elementos de uma sentença, que não somente a base com a qual constituirá uma palavra. Vejamos os dados abaixo que se restringem à observação dos prefixos deS- e eN-.
O prefixo deS- em algumas formações verbais, por exemplo, relaciona na estrutura argumental um nome que foi base para a formação do verbo e um argumento interno desse verbo, como em descascar as batatas que teria como paráfrase algo como tornar/fazer as batatas sem casca. A estrutura sintática em (16) evidencia essa relação (c.f. Bassani et al, 2009).

(15) O ator descascou as batatas.

Nessa formação, teremos pelo menos três núcleos para um verbo como descascar: n (-casca-); v (-cascar) e um terceiro núcleo r relacionador (habitado pelo prefixo –des e rotulado como [SEM]), responsável pelo sentido de ausência, retirada (descascar). Esse núcleo prefixal relaciona a argumento interno e o nome formador.

O prefixo eN-, por sua vez, parece funcionar como formador de verbos location/locatum (Hale & Keyser, 2002), que configuram estruturas depreposicionais, pois é fato que o prefixo eN- apresenta homofonia e homografia com a preposição em, que expressa, sobretudo, local e tempo em português.

Assim, na grande maioria dos verbos iniciados pelo prefixo preposicional eN-, esse é responsável por relacionar na estrutura argumental o nome ou adjetivo que está na base do verbo e o argumento interno do verbo formado, como podemos ver nas estruturas em (17) e (18):

Apesar de apontarmos de forma sucinta fenômenos linguísticos que comprovem a interação entre prefixos e estrutura sintática, muitos outros trabalhos revelam que a morfologia está diretamente ligada à constituição da estrutura argumental (Embick & Noyer, 2004; Pylkannen, 2008). Desse modo, a falta de interação entre prefixos e a estrutura final sintática é um ponto fraco para a análise.

4.2. PCs e PLs com bases presas e livres
O argumento morfológico que diz que PCs constituem palavras independentes e se juntam a bases livres na língua e que PLs juntam-se a bases presas, ou seja, palavras em formação, não é de todo verdadeiro, tratando-se de uma tendência e não de uma regra. Há PCs que podem se afixar a bases presas e PLs que podem se afixar a bases livres (como Schwindt já havia destacado ao dividir PLs em dois tipos):

(19) PC com base presa: des[truir], con[struir], hiper[bato], hiper[metria];
(20) PLs com bases livres: re[cortar], des[merecer], em[cobrir], sub[locar].

Os dados em (19) e (20) são algumas evidências de que há um número considerável de exceções, ou contra-exemplos, para a generalização de que PCs se afixam a bases livres e PLs a bases presas.

4.3. As exceções tratadas como casos de lexicalização
Destacamos aqui dois processos fonológicos que são característicos de interior de palavra, mas que ocorrem com alguns PCs e são tratados pelo autor como casos de lexicalização. Veremos que em um tratamento como o sugerido na seção 5 não é preciso recorrer a esse tipo de postulação.

I – Neutralização da pretônica em PCs
Na seção 3.1.1, os exemplos em (8) são evidências para Schwindt de que PCs não podem sofrer NP dado seu caráter acentual independente em relação à base. Entretanto, o próprio autor traz exemplos, reproduzidos em (21), que contradizem essa afirmação inicial.

(21)

a) n[E]ologismo ~ n[e]ologismo
b) pr[E]tônica ~ pr[e]tônica
c) p[O]stônica ~ p[o]stônica
d) pr[O]tossílaba ~ pr[o]tossílaba

A explicação para a ocorrência de NP para esses casos se baseia na ideia de lexicalização. Nessa visão, os possíveis prefixos em (21) são considerados pelos falantes como sílabas átonas que foram incorporadas à base das palavras a que se ligam e formariam com elas uma unidade linguística no léxico. Essa explicação nos parece um tanto ad hoc porque não parece claro que exista de fato uma distinção entre, por exemplo, um prefixo como proto em protomártir e o mesmo prefixo em protosílaba. Não se explica porque teríamos um contexto para lexicalização no segundo, mas não no primeiro caso.

II – Harmonização vocálica em PCs
Como visto em 3.1.1, os PCs não deveriam sofrer esse processo, mas um caso é apresentado de forma a utilizar a harmonização vocálica como evidência para a lexicalização do vocábulo (22)b:

(22)

a) hiperglicemia ~ *hip[i]rglicemia
b) pr[ε] + sentir → pr[e]ssentir ~ pr[i]ssintir

4.4. Conclusão da Seção
Depois de levantados esses problemas residuais, na próxima seção, sugerimos uma proposta alternativa que daria conta da distinção entre PCs e PLs, sem perder de vista as distinções fonológicas e morfológicas entre esses tipos de prefixos, e que teria como vantagem o fato de resgatar a relação que esses prefixos têm com a estrutura sentencial das frases em que participam.

5. A Morfologia Distribuída e a interação Fonologia-Morfologia-Sintaxe: uma análise para os prefixos do PB

Qualquer análise que busque explicar o estatuto dos prefixos do PB precisará dar conta dos fatos empíricos descritos por Schwindt (op. cit.), especialmente no que diz respeito à grande distinção entre PCs e PLs.

 PCs: palavras fonológicas (com acento); juntam-se a bases livres (em geral):

 PLs: sílabas átonas; juntam-se a bases presas (em geral):

Estamos plenamente de acordo com a presente distinção; no entanto, acreditamos que não há necessidade de fundamentar sua explicação por meio de um léxico de dois níveis, como feito pela Fonologia Lexical.

Dadas essas objeções, buscaremos uma análise alternativa que dê conta de explicar a distinção empírica entre PCs e PLs de uma forma mais econômica que não recorra a recursos ad hoc, como lexicalização. Introduziremos, com um pouco mais de detalhamento, o modelo teórico em que nos baseamos na próxima subseção.

5.1. Morfologia Distribuída

O modelo da MD, formalmente introduzido por Halle e Marantz (op.cit.), apresenta uma alternativa de análise do processo de formação de palavras que prescinde das Regras de Formação de Palavras como mecanismos gerativos do léxico.

A principal mudança e aposta da teoria está na assunção de que as mesmas operações que formam as sentenças são capazes de formar palavras. Essas operações são Merge (Concatenar) e Move (Movimento). Ainda, a Morfologia Distribuída assume que a morfologia não precisa estar concentrada em um só lugar e, assim, adquirir um caráter imutável; ela pode estar distribuída entre os componentes da gramática. Tal mudança constitui uma vantagem para explicar as mudanças morfológicas introduzidas por fenômenos fonológicos e sintáticos. Assim, esse modelo de análise de expressões linguísticas sugere que todo o processo de formação de palavras ou sentenças ocorre no componente sintático, com possíveis alterações em um componente morfológico, pós-sintático.

O abandono do léxico como um local gerativo e o tratamento sintático para a formação de palavras, tornam necessária uma reformulação da arquitetura da gramática, conforme o esquema proposto em Harley e Noyer (1999) e reproduzido na figura 4.

As funções supostamente desempenhadas pelo léxico são divididas em três listas, distribuídas pela gramática: i) a Lista 1 (A na figura 4) pode ser vista como um léxico reduzido, pois nela fica armazenado um conjunto de raízes e de traços formais que serão manipulados pela sintaxe; ii) na Lista 2 (B na figura 4) estão os expoentes fonológicos com a especificação de seu contexto de inserção; são os chamados Itens de Vocabulário, inseridos no componente morfológico; iii) a Lista 3 (C na figura 4) é chamada de Enciclopédia e contém entradas enciclopédicas que relacionam itens de vocabulário a significados.

De forma resumida, nesse modelo, a sintaxe trabalha com os traços abstratos da lista 1 (devidamente agrupados em uma numeração, como sugerem Harley & Noyer, 1999) e gera uma estrutura sintática hierárquica. Os nós terminais podem ser derivados pela sintaxe ou inseridos como morfemas dissociados no componente morfológico, antes da inserção de Itens de Vocabulário. São, portanto, especificados com traços morfossintáticos. Há somente duas classes de nós terminais: raízes (√s, l-morphemes – lexical morphemes) e elementos gramaticais (f-morphemes – functional morphemes). As raízes se incorporam a outros elementos e projetam √P. As raízes são acategoriais, e são os f-morfemas com que se relacionam na sintaxe que determinam sua categoria sintática: por exemplo, para se ter um verbo, será necessário compor uma raiz com uma categoria do tipo de v° 7.

5.2. A noção de fases em palavras (Marantz 2001, 2008)

Baseado na proposta de Chomsky (2001) de uma computação sintática cíclica por natureza, Marantz (2001, 2008) investiga na palavra domínios de localidade para processos semânticos e fonológicos.

Assim como Chomsky considera que núcleos funcionais como CP, vP e DP podem ser núcleos de fases, Marantz (op.cit.) propõe que núcleos que formam categorias “lexicais” (adjetivo, nome, verbo) na palavra também podem sê-lo.

A ideia de fases é a de que cada operação sintática dentro de um certo domínio de localidade teria uma interpretação e forma fonológica correspondente e cada resultado de um merge de itens se daria em uma fase da derivação. Após a formação de cada fase se daria então o spell-out da formação para LF, onde receberia a interpretação associada, e para PF, para a atribuição de material fonológico e a aplicação dos processos fonológicos relevantes.

O trabalho de Dubinsky & Simango (1996) foi um dos primeiros trabalhos lexicalistas a desafiar o lexicalismo estrito. Os autores apresentam dados de verbos da língua Chichewa que apresenta evidências em favor do reconhecimento da distinção entre um domínio interno e um externo na formação da palavra. Não nos deteremos nos detalhes dessa proposta, apenas apontaremos que, a partir das generalizações desse trabalho, é possível assumir que:

a) A formação interna da palavra é caracterizada por uma potencial não-previsibilidade na fonologia e semântica (forma e significado potencialmente especiais) e uma inabilidade para tomar como input um radical que já foi concatenado a uma categoria lexical.

b) A formação externa da palavra é caracterizada por uma regularidade na fonologia e semântica e a habilidade de tomar como input um radical que já foi concatenado a uma categoria lexical. 8

Em Marantz (2008:5), o autor retoma e reinterpreta a distinção em a) e b) como descrito abaixo:

Inner morphology” attaches to roots or complex constituents below the first little x (x = {v, n, a}) node (phase head) above the root. All morphology above the first x node is “outer morphology,” including all “category changing” derivational morphology 9

.

Com essa proposta de análise, Marantz consegue evitar a ideia de que toda mudança de categoria na palavra é do âmbito lexical. As idiossincrasias não são mais explicadas por ocorrerem no léxico (casos de lexicalização), mas por ocorrerem na primeira fase de formação da palavra, e a sistematicidade ocorre nas fases consecutivas. No entanto, todo o processo ocorre na sintaxe. Os objetos de interpretação para LF e PF serão as fases e não as raízes somente ou a palavra toda.

Destacamos um exemplo. Na língua Malayalam, o sufixo -ikk deriva verbos de nomes, causativos lexicais de incoativos e causativos sintáticos de verbos inergativos, respectivamente a, b e c, retirados de Marantz:

Verbos de atividade agentivos derivados de nomes
a) Kuli ‘bath’ (banho)
Kulikk- (kuli + ikk) ‘bathe’ (v) (banhar)
Causativos lexicais derivados da mesma raiz como incoativos
b) Culi- ‘get wrinkled’ (intr) (ser amarrotado)
Culikk (culi+ikk-) ‘wrinkle’ (tr) (amarrotar)

Causativos sintáticos derivados de verbos inergativos
c) Paat- ‘to sing'(cantar)
Paatikk- (paat+ikk-) ‘to make X sing’ (fazer x cantar)

Em (a), um verbo denominal é derivado por meio da concatenação de um v a um núcleo de fase, um n. Há evidências fonológicas que provam que o verbo denominal em (a) é constituído por fases. Assim, por exemplo, alguns tipos de fusões podem ocorrer com os morfemas quando a concatenação entre v e uma raiz ocorrem na mesma fase. Na concatenação de v ao núcleo de uma fase, não ocorrem tais alterações morfológicas. Vejamos algumas evidências em que v se concatena diretamente à raiz, implicando a ocorrência de alterações morfológicas:

(23) Geminação causada quando a raiz é concatenada na mesma fase:
aat- ‘swing’ (root) aatt- ‘to swing’ (tr.) (balançar)
kuump- ‘fold’ (root) kuupp- ‘to fold’ (tr.) (dobrar)

(24) Fusão em causativos-lexicais (uma fase), mas não em causativos sintáticos (mais de uma fase):

a) Causativo lexical construído de raiz; fusão fonológica de ikk com a raiz
munn- munn+ikk > mukk- ‘to sink’ (afundar)
e.g., The bottle sank > I sank the bottle
A garrafa afundou>Eu afundei a garrafa

b) Causativo sintático construído de um verbo inergativo; sem fusão
munn- munn+ikk > munn-ikk- ‘to take a dip (bathe)'(dar um mergulho)
e.g., I took a dip in the pond > John made me take a dip in the pond.
Eu dei um mergulho na lagoa > João me fez dar um mergulho na lagoa

c) Evidência de que VDs incluem um núcleo do tipo n: não há fusão.

Formação de Verbo Denominal de n(zinho); sem fusão
[[tool]n ikk]v > toolikk ‘bathe’ (banhar)
Como causativo lexical, deveria prever toott-

Com Marantz, vemos que as propriedades lexicais (ou derivacionais) devem ser limitadas à primeira fase de concatenação da raiz com uma categoria. As concatenações que ocorrem depois dessa primeira fase podem ser igualadas àquelas ditas de natureza flexional.

5.3. Uma proposta para as formações prefixais em termos de fases

Com base na noção de fases na palavra, tentaremos dar um tratamento uniforme para a correlação apontada por Schwindt entre a distinção PCs/PLs e a atribuição do acento à palavra em português e o estatuto da base a que um determinado prefixo se liga (base presa ou livre).

Nos termos de Marantz, 2001 e 2008, o comportamento dos prefixos legítimos se refere àqueles que se ligam ao primeiro nível de derivação de uma formação, ou seja, eles se ligam diretamente a uma raiz desprovida de categoria, uma base presa, como, por exemplo, na formação da palavra agradar:

Em (25), a primeira fase da derivação se restringe à junção da raiz ao prefixo e então à borda da fase, que é v. Nesse momento, ocorre então o spell-out da formação para LF e PF, onde a formação já constitui uma palavra da língua e, por isso, deve receber pelo menos um acento primário (Nespor & Vogel, op.cit.). O prefixo a- pode se ligar às ditas bases presas da língua, raízes, internamente a uma fase da palavra. Assim, nessa formação, temos a coincidência entre uma palavra morfológica e uma palavra fonológica. Após o spell-out da primeira categorização, em PF, podem ocorrer então os processos fonológicos destacados por Schwindt (op. cit) como processos que se dão no interior de uma palavra fonológica: neutralização da vogal pretônica, harmonização vocálica e assimilação da nasalidade.
Por outro lado, PCs constituem formações em que um prefixo se liga a uma raiz já categorizada por um v, n ou a. Por já ter sido categorizada, essa fase (v no nosso exemplo) já sofreu spell out recebendo acento e configurando então uma palavra livre na língua. Uma formação como hiperfaturar constitui um tipo de composto em que temos duas palavras fonológicas justamente porque temos duas fases internas a essa formação. Apesar de ter como formação final ainda um verbo, apostamos em que o prefixo hiper faz parte de uma formação adjetival/adverbial e, por constituir núcleo de fase, recebe acento e pode ocorrer como palavra livre na língua (27). Diferentemente do que temos em (25), aqui temos o mismatch entre uma palavra morfológica e duas palavras fonológicas:

(27)

a) Ela ficou hiper constrangida.
b) Eu gosto desse supermercado porque ele é hiper.

Em linhas gerais, essa é uma proposta mais econômica que consegue dar conta da distinção empírica entre PCs e PLs. Entretanto, o fato de ser mais econômica aponta a elegância da análise, mas não nos garante nenhuma vantagem em termos do tratamento empírico dos dados frente ao tratamento em Fonologia Lexical. Vejamos o alcance que essa proposta tem para dar conta dos problemas apontados ao trabalho de Schwindt na seção 4, especialmente no que se refere à derivação dos prefixos composicionais.

5.4. Tentando resolver problemas
Retomaremos os problemas apontados à proposta de Schwindt e discutiremos uma análise em termos de MD nessa seção.

a) A Falta de interação entre PLs e estrutura sintática
Como já destacado na seção 4.1, é comprovado na literatura que PLs podem ser responsáveis por relacionar e/ou introduzir elementos na estrutura argumental da sentença, tal como nos casos dos prefixos eN- e deS- do PB. Em um modelo como a MD, em que a formação de palavras é simultânea à formação de sentenças, os prefixos integram a formação da estrutura sintática e, por isso, podem interagir de forma simultânea na definição da mesma. Logo, nesse modelo, essa interação é natural e esperada.

b) PCs e PLs se afixam a bases presas e livres
c) As exceções tratadas como casos de lexicalização: NP em PCs e Harmonização vocálica em PCs.

Somente PCs podem constituir palavras livres na língua e, por isso, têm uma tendência a se afixar a bases livres, palavras, formando então uma espécie de composição. Já PLs, segundo o autor, podem se juntar a bases livres e presas, mas nunca constituem eles mesmos palavras livres na língua.
Dessa ideia se segue que PLs sofrem processos internos à palavra (Neutralização da vogal pretônica, harmonização vocálica e assimilação da nasalidade) e PCs devem sofrer somente processos que ocorrem na fronteira entre duas palavras (neutralização da átona final e sândi vocálico externo).
O problema surge quando temos casos em que um PC sofre processos típicos de ambiente interno à palavra em determinados contextos, mas não em outros:

O primeiro ponto a discutir sobre esses exemplos é que tanto a regra de NP quanto a regra de harmonização vocálica são regras variáveis e não se aplicam em todos os contextos, mesmo que haja ambiente. Desse modo, discordamos da previsão de que PCs nunca poderão sofrer esses processos e que PLs sempre deverão. Acreditamos que a abordagem deve ser inversa: sempre que pudermos identificar um desses processos operando, esse deve servir como diagnóstico de que há um contexto de palavra e não de composição. Assim, nos termos de MD, quando esses processos ocorrem, eles devem ocorrer internamente a uma fase. Nos dados em b. acima, a possibilidade de ocorrência desses processos fonológicos internos à palavra podem servir como evidência de uma concatenação interna desses prefixos à primeira fase de formação da palavra.
O exemplo em (28) deixa clara essa distinção porque temos uma base presa em b. que nos garante que a afixação do prefixo ocorre internamente à fase raizP, permitindo a NP como podemos ver nas estruturas simplificadas:

Em b., como a afixação do prefixo se dá internamente à fase RaizP, pode ocorrer NP. Em termos gerais, podemos afirmar que nesse caso o prefixo forma com a base um novo tipo de raiz, forma com ela uma palavra e não uma composição. A composição com o prefixo neo ocorre de fato no dado em a). Desse modo, explicamos dois problemas: o fato de PCs se ligarem também a bases presas e de sofrerem processos típicos internos à palavra.

Um pouco mais complexo é o caso em que o PC parece se ligar não a uma base presa, mas a uma palavra já categorizada:

Aqui, teríamos que assumir que em protomártir há composição, mas em protosílaba não. A única evidência que temos é a ocorrência de NP no segundo caso, mas não no primeiro. Isso significa que assumimos que proto se integrou à base da palavra em protosílaba, mas não em protomártir.

Um dado que nos parece mostrar mais claramente que podemos ter um mesmo PC em adjunção interna ou externa a uma mesma palavra, e que pode corroborar a hipótese acima, é o par pretexto e pré-texto.

Apesar de termos superficialmente a mesma estrutura, a evidência da ocorrência da NP no primeiro caso e não no segundo sustenta que temos estruturas diferentes. Além disso, mais uma evidência é o sentido especial em pretexto e o sentindo composicional em pré-texto, o que é previsível a partir da teoria de Marantz para localidade na interpretação dada em 5.2.

Pr[e]texto: motivo que se declara para encobrir a verdadeira razão de (algo); desculpa, subterfúgio, alegação.

Como é previsível a partir da noção de fases, o merge com a raiz detona um sentido especial e permite NP.

Pré-texto: Primeira versão de um texto.

O merge acima do primeiro categorizador (n) detona um sentido composicional: o sentindo de pre- somado ao sentido de texto resultam no sentido final. O ambiente de composição não permite a NP.
A mesma argumentação pode ser estendida aos casos de harmonização vocálica.

5.5. Conclusão da Seção

Dentro do modelo da MD, podemos assumir que os prefixos não são de tipo lexical ou tipo composicional, mas que podem estar em uma configuração estrutural em que se juntam diretamente a uma raiz e então são categorizados (ou seja, são internos a uma fase) ou podem estar em uma configuração de composição, por constituírem núcleo de uma fase que se liga a uma raiz já categorizada (uma outra fase).

Em outras palavras, um prefixo se define pela configuração sintática em que ocorre, por isso prefixos como neo-, proto-, pre- e pos- não precisam ser duplicados em dois níveis no léxico; explica-se seu caráter ambíguo pelos dois tipos de estrutura em que podem ocorrer.

Em suma, o fato de que PCs também podem se ligar a bases livres decorre de que nos moldes em que estamos tratando a formação de palavras (mecanismo sintático) não é o próprio prefixo que define o tipo de relação que irá estabelecer com o restante da formação, mas a posição onde ele é inserido na estrutura. Nada impede também que prefixos ditos lexicais, como sub- ou re-, sejam ligados a palavras já categorizadas (i.e. subsecretário, recontar).

Problemas residuais:
Um prefixo como des- parece se comportar da mesma forma que os prefixos abordados na seção anterior, pode se concatenar a uma raiz ou a uma palavra, mas com um problema: podemos ter NP em um contexto de composição ou em ambiente interno à palavra, caso não esperado:
(35) Des- em contexto de raiz: des+struir > d[e]struir ou d[i]struir
(36) Des- em contexto de palavra: des+merecer > d[e]smerecer ou d[i]smerecer

Deixaremos essa questão na pauta para investigação futura.

6. Conclusão

Neste trabalho, interessou-nos discutir inicialmente a interação entre os componentes fonológico e morfológico e, então, partir para a discussão sobre a interação desses e o componente sintático ou, mais restritamente, para a discussão sobre estrutura argumental. Para tanto, tratamos de um fenômeno linguístico que necessita de ferramentas explicativas que envolvam esses três níveis de análise no mínimo: o estatuto das formações prefixais do português do Brasil (PB). Partimos do trabalho de Schwindt (2000), que oferece uma primorosa descrição e um tratamento em termos de Fonologia Lexical (Kyparsky 1982; Mohanan 1982) para os prefixos do PB, para, então, discutir uma análise alternativa em termos da MD (Halle & Marantz 1993). Nosso ponto de partida foram as três questões resumidas a seguir: i) Se, de fato, o fenômeno da prefixação ocorre em níveis distintos, como explicar o fato empírico de que prefixos ditos “lexicais” ou legítimos (nível I do léxico) podem ser responsáveis pela introdução de argumentos na estrutura sintática em um modelo como a Fonologia Lexical, que não permite a interação entre o nível I do léxico e a sintaxe? ii) É possível tratar as diferenças prosódicas e o diferente estatuto fonológico dos prefixos do PB (Schwindt, 2000) em um modelo não lexicalista como a MD? Se sim, de que forma? iii) Como explicar que processos fonológicos não esperados se deem em Prefixos Composicionais sem recorrer a uma explicação por lexicalização?

Em conclusão, nosso trabalho comprova as hipóteses iniciais de que não é necessário postular um léxico de dois níveis para explicar o fenômeno da prefixação, tendo assumindo a distinção entre prefixos composicionais e prefixos legítimos, cujos fenômenos empíricos que lhe dão suporte são a atribuição de acento e a distinção entre forma presa e forma livre. O fato de Prefixos Composicionais (PCs) serem acentuados e se juntarem a bases livres e Prefixos Lexicais (PLs) serem sílabas átonas que se juntam à esquerda de uma base presa são faces de um mesmo fenômeno: restrição de localidade na formação de palavras (Marantz 2001, 2008). Dentro no modelo da MD, não precisamos assumir que prefixos são (estaticamente) de tipo lexical ou composicional, mas que podem estar em uma configuração estrutural em que se juntam diretamente a uma raiz, e então são categorizados (internamente a uma fase) ou podem estar em uma configuração de composição, por constituírem núcleo de uma fase que se liga a uma raiz já categorizada (duas fases). Por já ter sido categorizada, a fase com o PC já sofreu spell out recebendo acento e configurando então uma palavra livre na língua. Ainda, a noção de fases na palavra nos permite dar conta de problemas residuais apontados por Schwindt (op. cit.): a falta de interação entre PLs e estrutura sintática; PCs e PLs se afixam a bases presas e livres; as exceções tratadas como casos de lexicalização – NP em PCs e Harmonização vocálica em PCs.

Acreditamos que um tratamento sintático para a formação de palavras prefixadas tem maior alcance no sentido de que pode tratar tanto a interação fonologia-morfologia como a interação morfologia-sintaxe e também a interface fonologia-sintaxe. A separação entre esses componentes é uma mera metodologia de análise linguística, pois os dados mostram que esses fenômenos são inter-relacionados. A palavra é um ponto de encontro exemplar de que fenômenos fonológicos, morfológicos e sintáticos se dão em um mesmo objeto.

 
 
Notas
 

1Agradecemos a Ana Paula Scher e Lucia Helena Rozario por contribuições e revisões a este artigo e aos dois pareceristas anônimos que contribuíram de forma crucial para a melhoria do mesmo. Os problemas residuais são de nossa inteira responsabilidade.

2Desse ponto em diante, sempre que nos referirmos a Schwindt estaremos nos reportando aos trabalhos de 2000 e 2001.

3Siglas: PF: Forma Fonética (Phonetic Form); A-P: Componente Articulatório-perceptual; LF: Forma Lógica (Logical Form); C-I: Componente Conceitual-intensional.

4Segundo Mattoso Câmara (1991) identifica-se o prefixo em uma perspectiva sincrônica quando 1) o radical a que se acrescenta constitui uma forma livre na língua (ex. predizer = pre + dizer; desconsolo = des + consolo); 2) quando esse radical é forma livre numa estrutura variante (permitir, cf. meter); 3) quando esse radical só é forma presa, mas constitui a base de duas palavras, pelo menos, com prefixos distintos (ex. colisão, elisão). Fora disso, a palavra é, do ponto de vista descritivo, de radical simples, embora historicamente se depreenda algum prefixo (cf. exemplo, início, achar, em que há historicamente os prefixos ex-, in-, ad-, respectivamente).

5Discutiremos esse caso na seção 4.

6A operação conflation (Hale & Keyser, op. cit) faz-se necessária para explicar casos em que o núcleo de um complemento fonologicamente deficiente se “incorpora/funde” ao núcleo fonologicamente pleno que é selecionado. Por fonologicamente deficiente, entendam-se núcleos vazios ou afixais.

7Usaremos os símbolos em letras minúsculas v (verbalizadores), n (nominalizadores) e a (adjetivizadores) para representar categorizadores de raízes.

8Essa diferença é, por vezes, a mesma que se faz entre morfologia lexical e flexional.

9A” Morfologia interna” se afixa a raízes ou constituintes complexos abaixo do primeiro nó x(zinho) (x=v,n,a) (núcleo de fase) acima da raiz. Toda morfologia acima do primeiro nó x é “morfologia externa”, incluindo toda “mudança de categoria” da morfologia derivacional. (Tradução nossa).

 
 
Referências
 
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Bassani, Indaiá de Santana. Verbos Denominais Parassintéticos com prefixo em-/en- no Português do Brasil. Anais do XI ENAPOL (Encontro dos Alunos de Pós-graduação em Linguística da Universidade de São Paulo), 2009.

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