PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUAS SOBRE O PROCESSO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DE ENSINO

Aparecida de Jesus Ferreira
UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa
 
 

RESUMO: Este artigo apresenta os resultados de reflexões feitas com professores de línguas (professores de Língua Portuguesa e de Língua Inglesa) e como os professores se veem passando do processo de consumidoras de materiais de ensino de línguas a produtores do seu próprio material de ensino. Esses professores refletiram sobre a produção de materiais de ensino. A metodologia adotada para trazer os resultados foi a análise dos relatos produzidos pelos professores. Durante o processo de análise, as respostas dos professores foram categorizadas em temas. Os aportes teóricos que embasaram a discussão e a análise dos dados foram: prática reflexiva (Wallace; Schön) e letramento crítico e práticas sociais (Pennycook, Lankshear). Os resultados da análise dos dados apontaram para a necessidade de propiciar aos professores de línguas momentos de reflexão acerca dos materiais de ensino. A pesquisa mostrou que há caminhos para um trabalho colaborativo/participativo em que se possa perceber que há possibilidades de produção de materiais de ensino e que essa atividade seja vista como formadora de professores e que os professores possam se utilizar de outros recursos para o ensino de línguas que vá além do livro didático. Sendo assim, torna-se necessário discutir questões de letramento crítico e de práticas sociais nos cursos de formação de professores, para que, assim, tais professores possam preparar seus próprios materiais de ensino.

INTRODUÇÃO

Considerando as discussões que estão ocorrendo globalmente e localmente sobre práticas sociais, torna-se necessário incluir, nas discussões acerca de formação de professores, conceitos que desafiem a forma de pensar a formação de professores de línguas. Uma das questões a serem incluídas nessas discussões é o conceito de prática reflexiva, isso na tentativa de entender a forma como a prática reflexiva pode colaborar para que os professores pensem criticamente acerca de sua própria prática. O modelo reflexivo trabalha com a experiência direta dos/as professores/as e reavalia o conhecimento do/a professor/a em sala de aula, que provém da experiência. Wallace (12) leva em consideração o referencial teórico do educador Schön, que conceitualiza reflexão. Wallace (14), adaptando o conceito de Schön, propõe o modelo reflexivo em que ele sugere duas dimensões de educação de professores:

1) Conhecimento recebido: nesta opção o professor em formação torna-se conhecedor do vocabulário do assunto a ser estudado e dos conceitos, resultados de pesquisa, de teorias e de habilidade que são largamente aceitas como sendo conteúdo intelectual necessário para a profissão. Sendo assim, pode ser aceito que um professor de línguas terá a habilidade (entre outras coisas) de falar a língua-alvo em um razoável nível de fluência, de organizar grupos em pares, de ler uma simples transcrição fonética, de estar familiarizado com certos termos gramaticais e assim por diante.

2) Conhecimento experiencial: nessa modalidade, o professor em formação terá desenvolvido o conhecimento em ação por prática da profissão, e terá tido a oportunidade de refletir sobre aquele conhecimento em ação (Wallace 14-15).

 

Wallace analisou a prática reflexiva de professores/as na área de ensino de línguas utilizando os conceitos de Shön. Considero também necessário, para a formação de professores de línguas, a discussão do letramento crítico e de práticas sociais, pois, para este artigo, tais conceitos são importantes, porque, de acordo com Pennycook, o letramento crítico deve ser visto como um instrumento para desenvolver um cidadão mais crítico, uma vez que a língua ao ser ensinada pode ser vista como um instrumento para a prática social. O letramento crítico é também entendido como uma ferramenta para entender o contexto social, político e ideológico em que o aluno se insere. Pennycook (78) argumenta que o estudo sobre o contexto social tem a possibilidade de proporcionar a compreensão de como o letramento está relacionado com poder, com diferença e com desigualdade.

Sendo assim, este artigo é um relato de uma pesquisa que pretendeu colaborar com a formação de professores de línguas em formação e em formação continuada, possibilitando reflexões acerca das percepções que os professores tinham sobre produção de materiais de ensino. Silva sugere que uma das questões que poderiam ser pesquisadas é “[…] as crenças relacionadas com a seleção e produção de material didático” (257). De acordo com Silva, que fez uma ampla investigação sobre crenças no ensino de línguas, ele não conseguiu encontrar pesquisas que investigassem essa questão. Sendo assim, esta pesquisa pretende, de alguma forma, preencher essa lacuna. Dessa forma, a pergunta de pesquisa a que se pretendeu responder, através da interação com as colaboradoras da pesquisa, foi: – Quais as transformações que ocorrem com os professores em formação ou em exercício ao passar pelo processo de consumidores de materiais de ensino para o de produtores de materiais de ensino?

Para refletir sobre os resultados desta pesquisa primeiramente apresento a justificativa do projeto. Em segundo lugar apresento a metodologia. Em terceiro lugar apresento os resultados e a discussão e, finalmente, trago as considerações finais.

 

JUSTIFICATIVAS

As minhas experiências como professora de Língua Inglesa e de Prática de Ensino, e também como orientadora de Estágio Supervisionado, bem como de professora orientadora de vários trabalhos de pesquisa em nível de mestrado, iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso (TCC), têm demonstrado uma grande necessidade de pesquisas na área de formação de professores de línguas que estejam também preocupados com letramento crítico e com análise e desenvolvimento de materiais de ensino.

É pensando nessa perspectiva que propus esta pesquisa, ou seja, para investigar como se dá o processo de produção e de análise de materiais de ensino por professores em formação e por professores em exercício de línguas que são os colaboradores desta pesquisa, considerando as expectativas e as crenças desses professores sobre o processo. Pesquisas feitas no Brasil e no exterior comprovam tal necessidade, pesquisas essas feitas por Cristóvão; Ferreira; Gimenez; Leffa; Pennycook; Telles; Ticks; Tomlinson e Masuhara, entre outros.

 

METODOLOGIA

A metodologia utilizada consistiu em reflexões teóricas, em grupos de estudos, acerca de produção de materiais de ensino e em relatos reflexivos coletados dos professores (colaboradores/participantes) que foram analisados. A pesquisa foi de base qualitativa (André, Cohen et alii; Denzin e Lincoln).

Neste caso específico desta pesquisa, trata-se de um estudo específico sobre a realidade de professores em formação e em exercício desenvolvendo seus próprios materiais de ensino, conforme demonstrado no Quadro 1, sendo que as atividades desenvolvidas durante o projeto se encontram nos Quadros 2, 3 e 4.

 

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O Quadro 2 demonstra as atividades que ocorreram ao longo do projeto, cujo desenvolvimento tentou seguir as sugestões de Leffa, que menciona o seguinte:

A produção de materiais de ensino é uma seqüência de atividades que tem por objetivo criar um instrumento de aprendizagem. Essa seqüência de atividades pode ser descrita de várias maneiras, envolvendo um número maior ou menor de etapas. Minimamente, deve envolver pelo menos quatro momentos: (1) análise, (2) desenvolvimento, (3) implementação e (4) avaliação (p. 13).

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A Fase 2 do projeto previa a apresentação dos artigos que foram sendo elaborados ao longo do projeto junto com a produção das sequências didáticas, conforme demonstram os Quadros 2 e 3, e os artigos produzidos resultaram em capítulos de livros como relatos de experiências.

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Esta última fase (Quadro 4) foi de extrema importância, pois houve os relatos, dos colaboradores/participantes que integraram o projeto, com relação ao impacto dessa participação em suas vidas acadêmica e profissional.

 

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Na próxima seção apresento os resultados das reflexões dos colaboradores/participantes conforme mencionado no Quadro 4.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No decorrer da pesquisa foi feito um trabalho de apoio aos professores em formação e aos professores em exercício para que, de fato, a finalização da pesquisa fosse possível. Quero enfatizar aqui que houve uma participação responsável e madura de todos os colaboradores/participantes, e isso resultou nos artigos e nas sequências didáticas com os aportes teóricos acerca dos gêneros textuais (Bronkart; Marchuschi; Schneuwly, Noverraz). Essa participação responsável também tornou possível atingir os objetivos propostos, que foi uma produção de uma sequência didática.

A pesquisa pretendeu, além de possibilitar que cada participante pudesse desenvolver sua própria sequência didática, que a seguinte pergunta de pesquisa, elaborada pela coordenadora desta pesquisa, fosse respondida:

– Quais são as transformações que ocorrem com os professores em formação ou em exercício ao passarem pelo processo de consumidores de materiais de ensino para o de produtores de materiais de ensino?

Para que a pergunta de pesquisa fosse respondida, foi entregue aos participantes um questionário com as reflexões abaixo no final da Fase 3, conforme citado na metodologia acima.

Questões reflexivas:

1. Por que você quis fazer parte deste projeto?
2. O que você acha de atrelar práticas sociais ao ensino de línguas?
3. De que forma o projeto colaborou com sua formação de professor/a de línguas (em termos acadêmicos e profissionais)?
4. Como você se vê passando do processo de consumidor/a de materiais de ensino para o de produtor/a de materiais de ensino?
5. Analise quais foram as suas maiores dificuldades e os benefícios?
6. Como você analisa o trabalho proposto pelo projeto, ou seja, uma forma colaborativa e interdisciplinar de produção de materiais de ensino em que participaram professores/as de Língua Inglesa/Espanhola/Italiana e Portuguesa e em que todos deram sugestões para os materiais?
7. Quais foram os aspectos que mais auxiliaram você a desenvolver o projeto de produção de materiais de ensino?
8. O que você sugeriria para projetos futuros?

As respostas foram analisadas e codificadas em temas e passam a ser analisadas a seguir.

 

Desafio e independência

Um dos aspectos que a pesquisa pretendia era o de propiciar ao professor tornar-se menos dependente do livro didático e assim pudesse produzir seu próprio material de ensino com autonomia. Para a concretização dessa pretensão era necessário que o professor passasse pelo processo de formação docente para que fizesse a reflexão sobre a produção de materiais de ensino com propriedade, pois, como asseveram Reinaldo e Santana, “[…] a formação docente determina a escolha do material didático” (100). Ou seja, além de propiciar ao professor que produzisse seu próprio material de ensino, a pesquisa também pretendeu refletir sobre escolhas de materiais didáticos. Os extratos a seguir das colaboradoras/participantes da pesquisa demonstram esta reflexão.

Participar da pesquisa foi uma experiência desafiante e, por conseguinte, estimulante, já que o processo de elaboração de material exige pesquisa, e um constante exercício de reelaboração do mesmo em busca do resultado almejado. Isso significa prever o processo de aplicação, as possíveis dificuldades tanto do professor quanto do aluno, ou seja, é uma atividade bastante reflexiva acima de tudo. (Colaboradora 1).

Justamente pelo fator de não depender apenas dos materiais que se encontram disponíveis, ao produzir esses materiais, você consegue mais autonomia, trabalhando com as questões que consideramos mais importantes, além de poder adequar as necessidades e realidade dos alunos. Principalmente pelo motivo dos materiais de ensino não contemplarem a questão de práticas sociais como deveriam. (Colaboradora 3).

 

Foco na realidade do aluno

De acordo Tomslinson e Masuhara (64-65), as vantagens de se produzirem materiais locais (feitos pelos próprios professores) são:

1. A possibilidade de consultar os usuários-alvo sobre suas necessidades e seus desejos.

2. A relevância direta dos materiais para os alunos-alvo.

3. O potencial de personalização.

4. A conscientização dos redatores sobre as características dos contextos-alvo de aprendizado.

5. A falta disponibilidade de ilustrações, materiais literários, músicas locais, etc.

6. A falta de restrições que as editoras comerciais de materiais globais enfrentam (por exemplo, medo de provocar um determinado país ou cultura por incluir, inoportunamente, típicos ou textos ofensivos).

7. A capacidade de obter feedback dos próprios usuários-alvo.

8. Os benefícios em termos de desenvolvimento pessoal e profissional para os autores dos materiais.

9. Os direitos de propriedade local sobre os materiais e muitas pessoas envolvidas na elaboração, nos testes e na disseminação dos materiais.

10. A credibilidade local dos materiais.

11. Experimentam os materiais com os alunos antes de revisá-los.

O que foi dito por Tomslinson e Masuhara parece se refletir nas experiências que os professores, colaboradoras/participantes da pesquisa, mencionam a seguir:

Ao produzirmos nosso próprio material didático o aluno se beneficia, pois esta produção acontece tendo em vista sujeitos concretos, que vivenciam realidades peculiares. Desta forma, o material pode atender a essas especificidades de modo mais eficiente. Cada espaço de aprendizagem tem sujeitos com realidades específicas. Estas realidades específicas exigem um material que contemple as necessidades daqueles sujeitos lá inseridos e quem mais tem condições de conhecer estas realidades são os professores que trabalham com estes sujeitos. (Colaboradora 2).

É muito interessante ter um material elaborado dentro da minha realidade, pois sempre trabalhei com materiais feitos para grande número de escolas e regiões, muito do que está nestes materiais não condiz com a realidade na qual estou inserida. (Colaboradora 6).

Com todas as vantagens e compromissos que acarretam a passagem de sujeito a agente. O processo de reflexão e o trabalho são incomparavelmente maiores, bem como a responsabilidade de não ter uma “voz legitimada” (no caso o livro didático) para ancorar minhas práticas. Sobretudo, essa passagem traz a vantagem de ser flexível e atender às necessidades dos meus alunos especificamente, e não a uma massa prevista por alguém a distância. (Colaboradora 5).

É interessante poder passar a outras pessoas as experiências vividas em sala de aula, de modo a permitir que outros tentem realizar as mesmas ações realizadas por nós. Elaborar o nosso próprio material didático é mais interessante do que trabalhar com um elaborado por outra pessoa, sendo que podemos aplicar, reelaborar, ceder dicas de possíveis situações que poderão ocorrer durante a aula, etc. (Colaboradora 4).

 

A partir das falas das professoras acima foi possível perceber que parece que os professores conseguiram entender que os materiais produzidos por eles mesmos lhes deram a possibilidade de se aproximarem dos alunos e da comunidade local, um dos pontos mencionados por Tomslinson e Masuhara, conforme apontados acima.

 

Crescimento profissional e embasamento teórico

De acordo com Tomslinson e Masuhara, é de grande importância os professores passarem pelo processo de produção de materiais de ensino, pois o processo possibilita que:

Todos os professores desenvolvem teorias de ensino e de aprendizado que aplicam em suas salas de aula (embora, freqüentemente, isso se processe de maneira inconsciente). É de grande valia para os professores buscar uma articulação de suas teorias de ensino por meio da reflexão sobre sua própria prática. Desta forma podem aprender muito sobre si mesmos e sobre o processo de aprendizado e podem, também, utilizar suas teorias como uma base para o desenvolvimento de critérios para a avaliação de materiais. (2).

O que foi mencionado por Tomslinson e Masuhara mostra como se sentem os professores depois de preparados teoricamente. Os discursos (a seguir) dos professores revelam maior capacidade de reflexão acerca de sua própria prática pedagógica.

Me embaso mais teoricamente acerca de questões referentes aos gêneros textuais, além do fato de estar mais atenta à necessidade de aproveitar minhas aulas de Língua Portuguesa para promover um ensino crítico, no qual a língua vá muito além de exercícios gramaticais e ensino de estruturas linguísticas. Mais que saber dominar tais conceitos, o aluno precisa dominar aspectos outros da língua que possibilitem agir e interagir criticamente na sociedade. (Colaboradora 2).

Possibilitando momentos de reflexão conjunta e fornecendo subsídios teóricos para fundamentar novas práticas. (Colaboradora 5).

Acredito que irá me orientar em pesquisas futuras e na minha prática em sala de aula. Em termos profissionais me possibilitou maior contato com a rotina de pesquisa, o que pra mim foi muito importante uma vez que pretendo dar continuidade a minha formação. (Colaboradora 1).

Já tive oportunidade de aplicar a sequência didática elaborada por mim e por outra professora, foi extremamente gratificante este trabalho, os alunos adoraram, fui elogiada na reunião de professores, enfim, estou esperando para ver as demais sequências, pois quero aplicar todas que se encaixarem nos meus conteúdos. (Colaboradora 6).

Esta pesquisa visou propiciar que os professores em formação e em exercício tivessem contato com questões que levassem a uma reflexão crítica sobre o ensino de línguas, ou seja, o que Lankshear chama de letramento crítico. Lankshear faz a seguinte pergunta: ? Como uma pessoa pode desenvolver e defender a posição em letramento crítico? E a resposta que o autor coloca é que é através de uma abordagem que envolve as pressuposições iniciais sobre a prática social crítica – é isso que, na realidade, leva à construção do letramento crítico sob a luz dos limites e das possibilidades das alternativas atuais concebidas (43). Assim é porque esta abordagem prevê que estejamos educando os alunos com os quais interagimos para que tenham uma visão que os leve a serem inclusivos, tenham uma postura em prol da justiça social, e que trabalhem para a desconstrução de preconceitos (raciais/étnicos, de gênero, de pessoas com deficiência, idosos, gays, lésbicas) e desconstrução de qualquer outra forma de discriminação, de racismo e de xenofobia. As falas das colaboradoras/participantes refletem as experiências vivenciadas ao longo da participação no projeto, como segue:

O projeto acrescentou muito como na formação como acadêmica, pois a grade curricular da graduação não contempla a questão da inclusão social. Como futura profissional, colaborou ainda mais, pois a experiência de produzir material didático fez com que eu visualizasse uma postura diferenciada que o professor pode assumir na sala de aula, produzindo seu material como um auxílio para as aulas, e até mesmo, como atividade principal, onde esse contemple temas importantes para a formação do aluno como um verdadeiro cidadão. (Colaboradora 3).

Ingressar no projeto permitiu que eu entrasse em contato com profissionais que já trabalham com a questão social no ensino e outros que sugeriram algumas ideias interessantíssimas para o desenvolvimento de trabalhos futuros. Contribuiu também para o desenvolvimento do próprio projeto de estágio atual e provavelmente influenciará nos futuros. (Colaboradora 4).

Foi possível perceber, através das falas acima, que o projeto conseguiu colaborar de forma significativa no crescimento profissional das professoras que participaram da pesquisa, o que mostra que a pesquisa conseguiu, de alguma forma, dar voz e empoderar (“empower”) os professores para utilizarem outras fontes de materiais de ensino que não o livro didático.

 

Dificuldades no processo de elaboração de materiais de ensino
As dificuldades que são apontadas pelas participantes da pesquisa, como segue, não parecem ser diferentes das dificuldades apontadas por Tomslinson e Masuhara.

Dificuldades: Minha maior dificuldade foi elaborar o material para um “destinatário” desconhecido, alguém fictício (por conta de eu não estar em sala de aula), uma vez que corri o risco de não atender aos objetivos propostos, o que me afligiu muito no início. (Colaboradora 1).

Ao trabalhar com o gênero textual Lei é preciso se valer do conceito de ancoragem social discursiva, ou seja, é preciso buscar outras áreas de conhecimento que auxiliem num determinado objetivo pedagógico. Desta forma, precisei me inteirar um pouco mais da esfera discursiva jurídica e isso não foi tarefa muito fácil. Também teve a questão de produção textual a partir do conteúdo visto que não pode ser feito dentro do próprio gênero estudado. Tive que trabalhar um outro gênero textual para que o conteúdo trabalhado fosse circulado. (Colaboradora 2).

O processo demanda muito tempo e reflexão. Especialmente a manutenção da coerência entre os princípios teóricos assumidos e sua relação com as atividades e com o desenvolvimento das mesmas em sala de aula foram dificuldades que, embora não intransponíveis, se apresentaram a mim. Sobretudo, o volume de trabalho exigido em todas as etapas do processo é surpreendentemente grande. (Colaboradora 4).

A dificuldade maior é não conhecer o nível dos alunos com os quais iríamos trabalhar o material, o que complicou com o fator de não possuir experiência em sala de aula. (Colaboradora 5).

Considerando as dificuldades apontadas pelas colaboradoras de pesquisa, é possível perceber que são dificuldades que estão relacionadas pelo fato de muitas colaboradoras serem alunos em formação e a falta de experiência em sala de aula para saber de fato quem seria o aluno conforme relatos das colaboradoras 1 e 5. Já as colaboras 2 e 3, que eram professoras em exercício, enfatizaram a dificuldade de elaborar materiais de ensino que estejam entrelaçando os princípios teóricos com a elaboração do material de ensino proposto, pois sabem, através da prática vivenciada, da dificuldade de atrelar os aspectos teóricos com a praticabilidade do uso dos materiais em sala de aula.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar este artigo, vou responder à pergunta de pesquisa que me propus, que é: – Quais são as transformações que ocorrem com os professores em formação ou em exercício ao passar pelo processo de consumidores de materiais de ensino para o de produtores de materiais de ensino?

O que percebi, na condição de coordenadora do projeto, é que o grupo trabalhou muito bem, ou seja, a participação de professores em serviço (estagiários do Curso de Letras), de professores de Língua Inglesa e de Língua Portuguesa, e de mestrandos foi excelente, pois houve um esforço conjunto para que todos tivessem a experiência de produção de uma sequência didática de acordo com as suas possibilidades. O trabalho colaborativo foi importante em todos os momentos e todos deram suas sugestões para a implementação da sequência didática no processo da elaboração (ver Quadros, 1, 2, 3, 4). E isso certamente deu mais confiabilidade ao trabalho, pois as vozes de todos estavam presentes com suas dúvidas, angústias e medos, sensações que, aos poucos, foram se transformando em confiança, em segurança e em experiências bem-sucedidas no momento da aplicação e da avaliação da sequência didática.
Gostaria de finalizar dizendo que, uma vez incentivados, os professores conseguem fazer um trabalho colaborativo e produzir os seus próprios materiais de ensino e de acordo com a sua realidade escolar. A pesquisa mostrou que há caminhos para um trabalho colaborativo/participativo que se possa perceber, que há possibilidades de produção de materiais de ensino e que essa atividade seja vista como formadora de professores e o professor possa se utilizar de outros recursos para o ensino de línguas que vá além do livro didático.

 
 
Bibliografía
 

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